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domingo, 28 de dezembro de 2008

João e o Pé de Fujão

Já eram umas nove e meia da noite, quando João, que estava sentado a sua pequena mesa de trabalho, no canto direito da sala de estar de sua casa, desgrudou abruptamente os olhos do livro, esbugalhando-os, e olhando fixa e absortamente para sua frente. Palidez. Tudo mudou, e ele sabia disso. Acabara de descobrir que no dicionário da língua portuguesa existe uma palavra, um verbo na verdade, especialmente criado para designar “o ato de jogar algo ou alguém pela janela, ou varanda”. “Defenestrar!”, dizia ele, incessantemente, perambulando pela casa com os dedos longos garfando os cabelos quase lisos, e, certamente, bem escuros.

Na manhã seguinte, João e seu pijama listrado suavam frios debaixo das cobertas. O despertador já o havia alertado sobre o possível atraso para suas funções na repartição, mas João não conseguia levantar-se; tinha medo! Com muito esforço, e munido de uma faca militar herdada de seu avô, o homem se lavou, escovou seus dentes, empurrou duas coxinhas de frango para dentro, na padaria da esquina do trabalho, e enfim chegou ao escritório. A mais gordinha abaixo da janela folheava papéis com os óculos no meio do nariz, o parrudo de gravata marrom sorvia o restinho de café, no fundo do copinho de plástico branco, a baixinha passava a vassoura no carpete em frente ao gabinete, e foi justamente pra lá que ele foi, imediatamente – para o gabinete. Com os olhos arregalados, olhou para um lado, depois para o outro, deslizou sua maleta sobre a mesa, esbarrando sem querer no copo com água, e sentou-se, cruzando os braços sobre ela.

- João! João! Venha aqui um pouquinho, estou precisando de sua ajuda! – Disse alguém lá do outro lado da sala, fora do gabinete. Não queria, mas caminhou, embora não sem cuidados, na direção da voz, olhando para todos os lados, passo atrás de passo, tentando manter a calma, munido apenas de um pequeno livrinho.

- João! Ora João! Não me vá dizer que esqueceu os papeis do arquivo morto, novamente?! – Disse o gordo irritado no caminho.

- João! Ai, João, meu Deus! Será que você ainda não carimbou as vias da Dona Célia?! – Esbravejou a gorda de terno antigo.

- Oh seu João! Presta atenção! Nós é da faxina, mas é gente! Já limpei sua mesa e o senhô suja em seguida?! – gritou a moça que limpava o chão.

João olhou para trás e, com feição assustada, flagrou cada um que o espetava com seus cenhos franzidos. Viu-se cercado, começou a caminhar lentamente para trás, tentando com as mãos afastar as coisas que, sem querer, batia, ao andar em marcha contrária, porém sem tirar os olhos dos colegas de trabalho, nervosos com sua pessoa. Era uma claustrofobia. Começou a sentir-se sufocado, agoniado, desesperado, quase chorava, e continuava a andar para trás, quando então, finalmente, topou com a voz que o havia chamado para o canto da sala, de fora do gabinete, pedindo sua ajuda:

- João! Me ajude! Mas que droga é essa que você escreveu aqui, em?! Você quer que eu morra ou que eu te mate, em João?! Me diz, João! Em?!

Era a quarta agressão, e talvez por isso não tenha dado outra: João soltou seu mais profundo grito, retido depois de todo o desespero, olhou para seus colegas de trabalho, que continuavam a espetá-lo com seus olhares, aproximou-se da janela grande que clareava o chão, e disse:

- Defenestra-los-ia, certamente! Se já não fosse tarde!

Os pedestres fizeram roda, o gari limpou a rua, o jornalista tirou foto, houve alguns minutos de silêncio, meia lágrima pisada aqui, uma fungada discreta acolá, e então voltaram todos ao trabalho, com um a menos na equipe. O que sobrou de tudo isso ficou na calçada: um dicionário da pátria língua, subtraído da letra “D”.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Solidão Consentida


Às vezes, no Orkut, olho o perfil de uma pessoa que nunca vi na vida, saio dele, e nunca mais o vejo. O que sobra é a sensação de que deixei escapar uma experiência ímpar com alguém, e que essa pessoa não teria como saber disso, nem se eu tentasse convencê-la do mesmo. Às vezes paro e penso, também, que à minha volta, por dia, passam dezenas, centenas, ou até milhares de pessoas, com diferentes personalidades, histórias, e momentos de vida. Isso inclui onde meu olhar alcança e também onde não alcança. Pessoas que guardam uma infinidade de destinos diferentes para minha vida, e para a vida delas, se ao menos um de nós se arriscasse a dizer “oi”. Mas nós passamos em fluxo, isolados pelos pensamentos, pelo som do MP3 player, e pelas convenções sociais que nos tiram o direito de abordar e ser abordado, sem algum motivo aparente. Isso quando não acontece o pior: por elas – as convenções -, somos mutilados durante toda a vida, até que chega o dia em que não abordamos as pessoas, mas não por meras regras de etiqueta, ou qualquer lídima defesa, mas pela mais pura e sincera falta de interesse no outro. Por essas e outras, tenho dificuldade de enxergar a possibilidade de viver uma vida, por vinte ou trinta anos, sem a presença dos cigarros de filtro vermelho, do álcool em copos de 360 ml, e das locadoras de bairro, nas sextas-feiras à noite.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Destino

imagem: DAVID LACHAPELLE


- Procuro atriz pornô jovem, bonita, inteligente, que tenha cansado da carreira, e que esteja procurando uma nova vida, longe das câmeras e das noites. Que esteja, também, procurando um rapaz jovem, sem muitas malícias na vida, sem dinheiro no bolso, nem nada a oferecer, além um grande amor despreparado e utópico, dedicação, vontade de ser feliz, e suspiros apaixonados. Tem que ter boas intenções, sensibilidade para a arte, o pensamento, e o amor em geral (mas não com “geral”). Preferência para as que tenham signo de água. -

Então o garoto suspirou fundo, deu um beijo nas anotações, e as entregou para a moça dos classificados, acompanhado de uma gorjeta que ele guardou do último salário. Voltou para casa, sentou-se de frente para o telefone de seu quarto, em cima de sua escrivaninha, apoiou o queixo com a palma da mão, e ficou aguardando esperançosamente.

“Triiiimmm!”, disse o telefone. Rapidamente ele atendeu, e cuspiu um: “Alô!”

“Boa tarde, aqui quem fala é a Luciana. Você é o Pedro?”

“Sim, sou eu mesmo!”, respondeu o garoto, com um sorriso de leste a oeste, estampado no rosto.

“Pedro, eu vi seu anúncio no jornal. Estou tão emocionada. Acho que encontramos o que queríamos”, disse Luciana, do outro lado da linha.

“Que legal! Eu tinha certeza que esse anúncio cairia em boas mãos!”, responde Pedro, radiante, radiante! “Mas me conte mais sobre você, Luciana!”

“Sim, Pedro! Foi fantástico! Mas então... Meu caso é o seguinte: Quando eu tinha vinte e quatro anos, queria fazer belas artes, na FAAP, mas o curso era muito caro pra mim. Então convenci meu pai a pagar metade, e a outra metade, eu pagava trabalhando em uma loja de quadros antigos. Quando meu pai morreu, eu já estava no terceiro ano, e, embora não pudesse pagar sozinha, resolvi não desistir. Comecei a fazer programas, através do amigo de um cara, que conheci na faculdade mesmo, logo no primeiro semestre. Puta de luxo. Ganhei uma boa grana com isso. Quando tudo ia bem, recebi uma proposta para fazer um filme pornô, e a grana era muito boa. Topei, e minha carreira só cresceu, dali em diante. Hoje tenho trinta anos, e já tenho o que preciso pra viver, mas já to cansada desse mundo, que tem seu lado bom, mas em geral é muito pesado... Há um ano parei com os filmes. Com os programas já parei faz tempo... Hoje, quando abri o jornal, fui ler os classificados, e isso é muito estranho, porque nunca leio os classificados, e lá estava seu anúncio. Bom, isso deve ter cerca de uma hora atrás... A questão é: Liguei, e adorei sua voz. Que tal a gente sair e tomar um chope?”

“Às sete no Espaço Unibanco, ta bom pra você?”, perguntou Pedro, naturalmente.

“Sim, claro, pode ser. Mas se for o último do Woody Allen, eu já assisti, ta?”

“Não pô, pode deixar! Chegando lá, você escolhe, a não ser é claro, que você queira ver o do Selton Mello, porque esse aí eu já vi, e me deixou pra baixo...”

“Não, não, esse aí eu vi também... Mas nosso papo sobre cinema, fica pro ao vivo, tudo bem?”, respondeu Luciana, em tom de simpática brincadeira.

“Pode ser, mas cinema está na pauta. Dessa discussão você não me escapa! Hehehe!”

E o mais incrível, é que Pedro e Luciana foram felizes para sempre, graças aos nossos queridos Classificados! Anuncie você também! 0XX – 11- 0078-5667.

sábado, 22 de novembro de 2008

Video Conto




Pra quem se arrisca, este é um vídeo-conto, onde recito um dos meus através de narração e imagens.

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Ficha técnica:

Voz, texto e vídeo: Igor Lessa

Imagens: Google Images.
Música: Bach - Cello Suite No. 1 in G Major - Prelude.
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Inferência:

Em câmera lenta, ele tateava com o olhar cada saliva, cada gotícula de cúspe que saia por entre os dentes amarelados e sujos do público na arquibancada. Gordos e rosados, eles gargalhavam, apontavam, lacrimejavam e entupiam-se com seus próprios ângulos. Desta vez o palhaço resolveu ficar parado e, olhando o público, esperou que cada um se calasse, para então dizer em som elevado, porém de forma seca e potente, a seguinte e sintética frase: "a vida, senhores, é bem mais que uma piada.".

Pegou suas coisas, e, ainda maquiado, rumou de bicicleta para a cidade vizinha, onde lavou pratos, fumou cigarros, e comeu verduras pelo resto de sua vida. Contente, todo dia antes de dormir ele lembra que, infelizmente, ainda não está acordado.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O Quadro

Foto: Jean Saudek

A fisiologia do sujeito desenvolveu-se no sentido de um rosto fora do comum. Um rosto que quando passava frente à moça da cantina no primário, chamava a atenção dela, e também de uns sujeitos de rosto comum, de alma comum, de coração comum, assim, resumidamente, uns sujeitos comuns, que estudavam com ele. Esses já falados nutriam antipatia com o tal do rosto fora do comum. Não pelo fato de ser bonito, porque não o era. Ter uma beleza fora do comum, ainda assim é ter um rosto comum, pois olhando por este ângulo, ali está tudo certinho, tudo simétrico, tão dentro do comum, que por ser demasiadamente dentro, tornou-se fora dele: uma beleza-fora-do-comum. Enfim, não era o caso dele. E também o inverso não se afirma, pois uns achavam o rapaz feio, outros não, sendo assim esta questão um pouco relativa, ou “relativizável”. O moço cresceu e virou um homem feito, com relógio de ponteiro no pulso, blazer preto, e óculos escuros. Ganhou um monte de responsabilidades, vaidades, neuroses, complexos... E depois de muito tempo, aconteceu o tal fato curioso: ele ficou tão comum, que o rosto incomum já nem mais ficava evidente. O corte de cabelo, os óculos de design moderno, e o cheiro de perfume caro, cobriram toda aquela luminosidade do diferente. Inclusive aqueles amigos de rosto comum no primário, passaram a se identificar com o tal sujeito, e viraram companheiros de trabalho, de clube, de fim de semana, tendo hábitos muito parecidos. O rapaz continuou com a vida, fazendo a barba de manhã, ensaiando elaborados nós na gravata... Ia para o maravilhoso emprego comum, dirigindo um elegantíssimo carro comum, dando “bons dias” comuns, e recebendo os comuns elogios. Até que um dia não conseguiu dar seqüência à rotina, pois havia transformado-se em um quadro, na sala de estar da empresa.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

A Escalada


Então o sujeito já havia rasgado sua camisa, um pedaço da calça, arranhado o braço, o rosto, mais precisamente a testa, arranhado a lente dos óculos, e, pra completar, suou bastante em cima de todas as feridas, o que fez com que ardessem mais do que, teoricamente, era pra arder. O Homem quando tem objetivo fixo e declarado é mesmo assim, e acaba não se importando com as adversidades, e os obstáculos, ou mesmo que se importe, supera-os, na maioria das vezes, dependendo, é claro, como eu disse, do nível de fixação pela meta, porque mesmo que a meta seja resultado de uma reflexão racional, é o sentimento que essa reflexão causa na pessoa que a movimenta, e faz com que ela tenha tesão de ir até o final, mesmo com o rosto arranhado e suado, e também com a roupa que fora, por tanto tempo, tão estimada, toda rasgada, assim como aqui, neste nosso caso, ela de fato estava; a camisa e um pedaço da calça. Conclusão: ele subiu no topo da montanha, depois de várias horas de escalada, e de muito medo e vertigem, provenientes, é claro, da estúpida altura em que se encontrava. A grande questão é que quando finalmente conseguiu chegar ao topo, olhou lá de cima, quase nas nuvens, para todos e todas aqui em baixo, miudinhos como formiguinhas caçando açúcar, respirou fundo aquele ar que é mais puro lá em cima, limpou aquela água fisiológica da testa com as costas da mão, soltou todo o ar, como se assoprasse quarenta velinhas no seu último aniversário, e, então, pensou consigo mesmo: “puta que pariu, como é que eu vou descer daqui, agora?”.

sábado, 1 de novembro de 2008

Fina Chuva

imagem: Jean Saudek

Notas pré-texto: Este texto não vale a pena ser lido. Mas se o fizer, o faça concentrado(a) e sem música. A não ser que você tenha "All Right", do CD "Med sud I eyrum vid spilum endalaust" do Sigur Rós.

Quantos homens, dentre todos os homens, podem dizer que todo dia quando acordam, beijam a mulher mais bela do mundo? Sinceramente, não sei. Mas quantos homens perdidamente apaixonados existem neste planeta? Quantos deles acordam todo dia ao lado de suas mulheres e as beijam? Provavelmente a resposta é algo em torno disto...

Nos primeiros cinco minutos, da quinta hora, daquela quinta-feira, ele acordou, mas ela ainda dormia. Chovia fininho lá fora, o céu estava cinza, sem distinção entre nuvens e espaço. O vidro da janela à direita da cama estalava levemente com os pingos inconstantes que ali batiam. Não havia ruídos de automóveis, zumbidos de pessoas, ou pássaros cantando. Era só o vento, e a chuva cavando a terra, molhando a grama, hidratando as pedras. Olhou pra ela e alisou seu rosto macio, seus cabelos longos e negros, que cobriam as costas brancas e aveludadas, desenhando caminhos, e exalando o melhor cheiro do mundo, que qualquer um sabe, é o cheiro dos cabelos da mulher que se ama, quando acorda. Ficou lembrando-se de quando foram para a velha casa de praia dos seus avôs; era inverno, e num raio de dois quilômetros só havia areia, água e gaivotas. Os dois estavam deitados em um velho bote, depois da arrebentação, debaixo da chuva fina que também caía aquele dia. Ficavam misturados, ela sobre ele, os dois virados para cima, olhando o céu cinza, igual ao dessa manhã de quinta. Ela envolvida em seus braços, os braços dele recheados por ela. A questão é que ambos tentavam ser um só, uma mesma matéria, um dentro do outro. O bote balançava com o movimento leve da água, como um berço, e eles adormeceram. Quando acordaram já era noite, com o bote na areia, trazido pela água, sabe-se lá como. Caminharam de mãos dadas até perto do casebre, ele ascendeu uma fogueira, ela pegou um vinho. Depois daquilo, a idéia de separarem-se um dia, nunca mais passou por suas cabeças. Levantou-se da cama, foi até a janela que ainda estalava com a fina chuva, olhou para as árvores que balançavam como uma dança, e mergulhou em mais lembranças. Houve uma vez em que caminhou debaixo de um temporal, sem camisa, só de botas e calça jeans. Chegou à praça em que se conheceram, totalmente ensopado e lá ficou, sentado no banquinho verde, de cabeça abaixa. Ela chegou descalça, com um vestido fino de algodão, igualmente molhada, com os cabelos grudados ao corpo, sentou do seu lado, e não disse nada. Cruzou seu braço com o dele, segurando sua mão, e deitou a cabeça em seu ombro. Nenhum dos dois conseguia distinguir as lágrimas, das gotas de chuva, mas o choro era cúmplice, e era único. Haviam brigado por algum motivo, mas naquela quinta, olhando através da janela às arvores da mesma praça chacoalharem, não se lembrava da briga, mas sim daquele momento, sem dúvida alguma, inesquecível. Caminhou até a estante, com diversas fotos deles, e não pode deixar de reparar naquela de moldura transparente, na qual os dois estavam elegantes, com casacos grossos, escuros, cabelos hidratados, peles iridescentes. Adentravam um belo e aconchegante restaurante feito de madeira, com retratos e cartões presos às paredes. Foi do dia em que viajaram à Europa, e abortaram todos os planos antes estabelecidos, simplesmente porque descobriram um antigo vilarejo em Berna, com casas pequeninas e quentinhas, com pequenas lareiras e neve na janela, onde havia um mercadinho próximo, um pequeno restaurante, e alguns parques agradáveis para sentarem juntos. Até hoje o nome deles está talhado na madeira entre o lavabo e a cozinha, no meio de um coraçãozinho, atravessado por uma flecha. Não conheceram Paris. Limpou a poeirinha do porta-retratos, olhou, novamente, para ela, caminhou até seu lado da cama, ajoelhou, segurou suas mãos, abaixou a cabeça sobre elas e chorou um pouco. Dessa vez ele se lembrou do que nunca conseguiu esquecer. Sabia que aquele momento iria chegar, e que já estava bem próximo. Checou o pulso de sua amada com delicadeza, colocou o ouvido no lado esquerdo do peito, sentiu a temperatura fria de seu corpo... Contraiu os lábios como jamais tinha feito, tentando fazê-los parar de tremer, tentando conter as lágrimas que saiam de seus olhos, como gotas de chumbo. Foi ao banheiro, tomou a solução que já havia preparado, deitou-se ao lado dela novamente, cobriu ambos os corpos com aquele que era o melhor edredom, o preferido, e abraçou-a com muito apreço e intensidade. Fechou os olhos, relaxou e voltou a dormir. E dormiram os dois, abraçados, entrelaçados, como havia sido no dia do barco na casa de praia, e como foram todos os dias em que estiveram juntos, ao deitarem-se. Ele, e a mulher mais bela do mundo.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Assine-me!



Queridos amigos leitores!

Recentemente, adicionei a este blog uma ferramenta, que permite que você fique sabendo sempre que atualizo. Como o atrasado com essas tecnologias sou eu, acho que a maioria dos que entram aqui, já devem conhecer o esquema. Mas para quem ainda não sabe como é, funciona assim:

1 - Você me ama e quer meu bem.
2 - Por querer meu bem, você quer que eu fique feliz.
3 - Pra que eu fique feliz, você vai nesse ícone aí do lado escrito: "Assine-me", e adiciona meu blog a sua lista, favoritos, feed, ou o que quer que seja.

Pronto. Agora sempre que eu atualizar, você fica sabendo, e eu fico feliz.
Bonito isso, né?

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Próximo Passo


Certo dia ela abriu os olhos pra sair do escuro, certos olhos fecharam o escuro pra entrar no dia, certos escuros fecharam o dia pra entrar nos olhos. Paralelamente, Eliete, a empregada, abria a persiana, cutucando Lúcia com o espanador de pó.

- Dona Lúcia, ta tudo bem?...

-Tudo bem, Eliete, foi só um sonho...

Eliete leu na revista que os sonhos podem nos dizer coisas, muito além dos números premiados do jogo do bicho. Leu que temos uma tal de “percepção”, que capta coisas sem nos darmos conta.

- Mas foi tão estranho, Eliete... Eu estava deitada em minha cama, no meio da calçada. A cidade estava totalmente vazia, quando, de repente, o silêncio foi quebrado por um desfile, que vinha em minha direção. Todos vestidos com roupas lindas, exóticas, com carros alegóricos gigantescos...

Eliete sentou-se na pequena poltrona, que ficava ao lado da cama. Juntou as pernas, joelho com joelho, repousou o espanador sobre os mesmos, subiu os óculos para o topo do entre olhos, e disse serenamente:

- Conte-me mais, Dona Lúcia...

Lúcia desfaleceu-se novamente, como se tivesse resolvido voltar ao sono. Reclinou a cabeça sobre o travesseiro e continuou:

- Quando reparei melhor nos carros, cada um deles continha algo que sempre quis. O primeiro tinha uma casa muito bonita, com muitas pessoas dentro, aparentemente amigos, com clima de felicidade e aconchego...

- Bom... – disse Eliete, agora apoiando a cabeça sobre as pontas dos dedos polegar e indicador. Lúcia deslizou os cinco dedos de sua mão direita, como um pente, para dentro de seus cachos loiros, e, depois de um suspiro profundo e inquietante, prosseguiu novamente:

- O segundo carro... Não sei ao certo, mas pareciam-me pessoas sentadas num sofá de uma sala... Não consegui ver seus rostos, mas o estranho é que senti que os amava muito. Havia um lugar vazio ao lado do mais alto deles... Já o terceiro carro foi o mais estranho. Sobre um altar, um enorme coração vermelho, flutuando, preso a uma corda, feito um balão. Quando este passou frente à minha cama, na qual, apesar de tão estranha manifestação, eu ainda continuava deitada, parou com todo o resto do desfile. Do carro, desceu um senhor com uma longa barba branca, e olhos indiscutivelmente sábios. Ele me disse: “Lúcia, tudo isso é seu. Você merece, não discuto. Mas sabe, Lúcia? Nada na vida é assim tão fácil... Você tem que saber pegá-los, querida”. Então, sem muita empolgação, levantei-me lentamente, fiquei sentada, de pernas cruzadas na cama, e olhando pra ele, perguntei: “Senhor... Basicamente o que tenho feito a vida inteira, é correr atrás de tudo isso. Caso saiba o caminho, seria boa idéia, e de muita gentileza, que me falasse agora. Por favor, algo a dizer?...”. Então e velhinho de roupas antigas – belas roupas, Eliete, mas antigas -, retirou do carro uma caixa e entregou com carinho em minhas mãos. “Lúcia, tudo é uma questão de paciência, e, também, de uma empírica sapiência... Tens que saber que o que passou, já passou... Que o que não aconteceu, acredite, filha, não tinha que acontecer. O lamento tem seu valor, mas tens que decidir, querida jovem, o que vem agora. A vida está no sentido horário.”.

A essa hora, Eliete, que antes estivera com toda uma pose e formalidades de ofício, encontrava-se, agora, com os olhos bem arregalados, ansiosos pelas próximas palavras. Lúcia virou-se para janela, onde a visão não encontrava Eliete, e perguntou:

- Estou te incomodando, querida?

Eliete realinhou-se na hora, pigarreou, esticou a coluna e projetou com voz sábia e condescendente:

- Não, Dona Lúcia, prossiga, por favor.

Então Lúcia fechou os olhos, trouxe o edredom para mais perto do pescoço e disse:

- Enfim... Dentro da caixa havia um celular moderno, que contrastava muito com o clima daquilo tudo... Quando o liguei, havia somente o número do Márcio. Sabe, Eliete, ele já não me liga há semanas... Gosto dele, mas sei que não vai dar em nada... A gente quer se proteger, e tudo mais, porém acaba sempre fazendo a coisa errada, e perdendo tempo com copos furados, não é mesmo?... Como de costume, era isso mesmo o que eu iria fazer. Quando aproximei meu polegar do botão de chamada, estava de olhos fechados, fluindo pequenas lágrimas, de coração apertado, sabendo que não deveria fazer aquilo... De repente escutei um barulho estranho, de vários passos e movimentos, abri os olhos, e todas as pessoas do desfile, todos em minha volta, olhando-me fixamente, alguns em janelas de prédios, outros em monumentos, outros pendurados em postes e árvores, e todo o resto de pé na rua, e um clima estranhíssimo de expectativa! Olhei para o celular, olhei para eles, levantei-me e fiz silêncio por um minuto.

- E então, Dona Lúcia?! – perguntou Eliete, já em pé e de olhos quase caindo para fora do rosto.

- Fiz o contrário. Larguei o celular na cama, desci da mesma, e enquanto todos abriam espaço para a minha passagem, e aplaudiam-me fervorosamente, caminhei rumo ao horizonte, com a certeza de que estava, realmente, satisfeita... As pessoas sumiram, o desfile também, e só o que ficou foi um relógio em meu pulso, sem nenhum de seus ponteiros...

Nessa hora Lúcia virou-se novamente, sentou-se à beira da cama, olhou para Eliete, e recortou um amistoso sorriso em seu rosto.

- E então, Eliete, o que você acha? Piração, né? Hahaha!

Eliete, um pouco desconcertada, riu-se toda, olhando para os lados. Então, relaxando os ombros, falou:

- Ai Dona Lúcia, sei não... Mas se for pra jogar no bicho, acho que a senhora deveria jogar na águia, viu...


quinta-feira, 23 de outubro de 2008

A Íntima Luta

Havia acabado de almoçar, e as minhocas da preguiça já amaciavam a carne do meu corpo. Afofavam os músculos, os ossos, pesavam-me as pálpebras, e provocavam-me bocejos profundos e espirituais. A pele já havia transformado-se numa gosma, feito sagu hidratado, e eu não conseguia fazer distinção do que era corpo, e poltrona. Ah... E que poltrona. Macia, delicada, aconchegante, azul. Não demorou muito para o Diabo começar a dar leves empurrões, pouco acima da minha nuca. Minha cabeça caía, minhas pálpebras fechavam, meu corpo entrava, então, em estado de reparo, cercado por fitas imaginárias com o dizer “fechado para descanso”. Com tudo, havia um senhor de rosto enrugado, terno antigo, e olhar muito lúcido, atolado em um mar de neve, agredido pelo vento frio, com uma única e minúscula vela acesa: era minha consciência, meu lado racional, mostrando-me que ele ainda existia. Embora todos ao seu redor estivessem a blaterar, mandando meter-se com sua vida, ele continuava lá, e sua luz crescia cada vez mais. Dentro de um pequeno tempo, as expressões de espanto de todo o organismo, já não eram suficientes para deter a incrível luz que aumentava em progressão geométrica, alcançando, então, um clarão totalitário, feito uma cegueira. Aquilo me fez abrir repentinamente os olhos, por demais – admito - assustados, suspirar profundamente, e dizer para mim mesmo: Não tem jeito, camarada, é melhor levantar e ir escovar os dentes...”.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Dois Mini Contos

Inferência

Em câmera lenta, ele tateava com o olhar cada saliva, cada gotícula de cúspe que saia por entre os dentes amarelados e sujos do público na arquibancada. Gordos e rosados, eles gargalhavam, apontavam, lacrimejavam e entupiam-se com seus próprios ângulos. Desta vez o palhaço resolveu ficar parado e, olhando o público, esperou que cada um se calasse, para então dizer em som elevado, porém de forma seca e potente, a seguinte e sintética frase: "a vida, senhores, é bem mais que uma piada.".

Pegou suas coisas, e, ainda maquiado, rumou de bicicleta para a cidade vizinha, onde lavou pratos, fumou cigarros, e comeu verduras pelo resto de sua vida. Contente, todo dia antes de dormir ele lembra que, infelizmente, ainda não está acordado.


Procura

Já estava decidido. Sentei na cadeira de madeira antiga, frente à escrivaninha, peguei o bisturi e comecei a abrir meu peito. Quando já era o buraco suficientemente grande, deslizei minha mão direita para dentro do lado esquerdo, e comecei a apalpar cada órgão com cuidado e delicadeza. Inspecionei cada espaço, cada fresta, cada baixo relevo, ou diferente textura. Retirei minha mão completamente vermelha. Um vermelho vivo, que brilhava. Foi do brilho que tirei a conclusão: o que eu estava procurando tinha que estar perto. Passei o bisturi de têmpora a têmpora, como quem abre um enlatado, retirei todo o tampo craniano e inspecionei novamente, só que com as duas mãos agora. Vasculhei por cima, pelos lados, debaixo do cérebro, e nada. Nem sinal da coisa. Levantei-me então e passei o bisturi por todo o resto do corpo. Braços, pernas, garganta, genitália. Coloquei órgão por órgão, e todos os músculos, em cima da escrivaninha, de modo que só sobraram-me os ossos. Suspenso apenas pelo espírito, caminhei até o banheiro, prostrei-me ao chuveiro quente, e esperei que fosse junto com a água, todo o sangue que ainda havia. Em seguida, pus todos os ossos organizadamente empilhados dentro da banheira, estiquei bem a pele, fui até a varanda, passei-a com o ferro no ponto certo. Estendi-a no varal, pegando o solzinho da manhã, e fui invisível pra frente do espelho. Deu muito trabalho, mas lá estava ele, finalmente! Vermelho, brilhante, pulsando como uma estrela... O amor, meu amigo, certamente não é físico.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

A Hora de Mudar de Vida Vai Até o Meio Dia


Desculpem-me pessoal! Esse tempo todo sem atualizar foi, realmente, ridículo, mas, sabem como é... O ser humano, principalmente este aqui, é mesmo ridículo, às vezes, hehe!

Estou numa "fase literária" meio que nova, escrevendo com um estilo um pouco diferente, e participando de alguns concursos. Alguns contos legais só virão pra cá, depois dos resultados, então, por isso, por enquanto, eles têm que ficar em sigilo mesmo... Mas pra mostrar que eu quase tenho vergonha na cara, vou postar aqui um mais antigo, só pra atualizar, e manter contato com vocês!

Obrigado pelas visitas que continuaram mesmo depois do descaso! =P

Imagem: Floriana Barbu
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De manhã, quando eu acordava, seguia pelo longo corredor do apartamento dela, escorado pelas paredes cobertas de carpete, respirando a poeira enquanto bocejava e ensaiava abrir os olhos colados de remelas, pra conseguir colocar meia panela de água pra ferver e, então, molhar quatro colheres de pó de café, dentro de um filtro de papel, tudo na medida certa, como a arte contida na precisão de uma equação matemática. Enquanto a natureza se encarregava da alquimia matinal de todo o lar, eu fumava meu cigarro vermelho, deixando o filtro bem amarelado, porque tenho o costume de puxar forte a nicotina. Depois deste breve momento de prazer individual, eu já estava pronto para doar-me ao outro indivíduo que dormia lá no último quarto da casa, onde há uma cama de casal muito macia e um barulhinho de ar-condicionado. O nome dela é Helena e eu sempre estive convencido de que ela merece ter o café na cama e, também, que depois do cigarro e do café já pingando dentro da garrafa térmica, eu vá escovar bem os dentes, lavar bem o rosto e até dar uma ajeitada no cabelo; assim ela fica tomando o café, toda enrolada nos edredons e achando que está agradecida pelo ato, quando, na verdade, ela nem sabe que sou eu quem fica muito mais agradecido de ver aquele rosto angelical, amassado de travesseiro, sentindo de longe o cheiro aprazível, inigualável, do cabelo da mulher quando acorda – da mulher que eu amo.

Hoje de manhã, quando acordei e fui fazer toda a rotina que gosto, tive uma surpresa, pois não havia mais pó de café, meus cigarros acabaram e a pasta de dente, também, já era. Fiquei muito sem chão e sem saber o que fazer, por isso decidi que era hora das coisas mudarem. Rabisquei, com muita delicadeza, um bilhete e colei no espelho do banheiro, com a simples frase: “te espero na cozinha”. Assim que ela leu, foi me procurar, mas ai quem teve a surpresa foi ela: um outro bilhete, dentro do pote de café, que dizia: “não foi só o pó de café que acabou aqui nessa vida”. Confusa, pois sei que ela estava confusa, franziu o cenho e ligou-me no celular, perguntando onde eu estava e o que significavam aqueles bilhetes que eu deixara.

- Será que eu fiz alguma coisa errada? Por que você está fazendo isso? – ela perguntava.

- Maldita a hora em que resolvi fazer filosofia, e que perdi a vergonha de ficar questionando as coisas certas na hora errada; por exemplo: coisa errada? Certo e errado são conceitos relativos, não é mesmo? Faça o seguinte, coloque uma roupinha leve e me encontre no meu apartamento. Já vou lhe avisando que a vida anda, e, talvez, há coisas pedindo por pontos finais em nossa vida...

- Que porra de história é essa, Ian?! Dá pra você parar com isso?!

- Faça o que estou dizendo. Venha pra cá... – desliguei o telefone.

Ela chegou no meu apartamento furiosa, abriu a porta com toda um ódio que é só dela, veio pisando forte até a cozinha, e eu morri de rir quando arregalou os olhos e perguntou surpresa:

- O que é isso, Ian?!?!

Eu estava sentado à mesa, coberta por uma café da manhã fantástico, tipo de filme americano, e que tinha, também, um enorme saco de dez quilos de café, com um bilhetinho dizendo:

Aqui em casa nunca falta café, Helena. Acho que está na hora de você vir morar comigo...”

sábado, 30 de agosto de 2008

Um Texto para pôr no Blog.


imagem: Office in a Small City - Edward Hooper


Ilmo Amigo Espelho,

Estive pensando a respeito das necessidades diversas, como as fisiológicas, as psicológicas, as espirituais, as neuróticas em geral, e cheguei a algumas conclusões. Sempre que chego do trabalho, sinto a incrível necessidade de re-configurar meu dia, de modo que nunca o hoje pareça com o ontem, ou de modo que, pelo menos, não me dê a impressão de que será igual, ou por demais parecido. Isto tem se tornado uma espécie de “objetivo de vida diário”, onde buscar a diferenciação de um dia para o outro, é a grande meta, fazendo, assim, com que, sempre que eu pensar na vida, relembrando meus dias anteriores, sejam os anos, seja somente a semana passada, eu lembre de um dia de cada jeito, com sua própria história, face e personalidade, um dia de cada cor: segunda azul, terça laranja, quarta verde, e por aí vai, ainda que se repita a matiz, porém mudando, ao menos, a tonalidade. Piso em casa e começo a fazer os planos; os principais instrumentos materiais que utilizo são a carteira com os cartões de débito, crédito, refeição, locadora, livraria, cinema, e etc, bem como a agenda de telefones, com algumas possibilidades de boa companhia para aventurar-se na cidade, que é como o universo, sempre em expansão, sempre um mistério, sempre com novos planetas, estrelas, galáxias e, infelizmente, também, buracos negros. Ontem quando realizei um de meus rituais favoritos – fui à locadora, demorei cerca de 18 minutos para escolher cada filme, lendo a sinopse, o diretor, o elenco, o ano, o formato, e por aí vai; escolhi três. Em seguida fui, a pé, ao mercado, com os DVDs nas mãos, escolhi algumas long necks da minha cerveja preferida, alguns petiscos que me pareciam apetitosos para o dia, olhei o rosto das pessoas, os carrinhos, a nojeira que é a carne crua na vitrine do açougue, passei o cartão, digitei a senha, olhando pra um lado e pro outro, discretamente, para ver se não havia nenhum bem intencionado de olho nos meus dígitos, dei aquele sorrisinho para a caixa, peguei minha notinha, ensaquei o tesouro, fui andando pra casa, escutando música, olhando os carros, subi de elevador olhando meus braços no espelho, só pra ver se a academia está fazendo efeito, cheguei em casa, e dei seqüência ao ritual de consumo do, tão meticulosamente, escolhido, nos centros comerciais mais próximos -, foi então quando surgiu para mim o pensamento, de que toda aquele sentimento maravilhoso, se proporcionado tão freqüentemente, poderia cair no tédio da rotina e perder a graça, sendo isso muito arriscado, pois o prazer de degustar a comida, a bebida, o roteiro, a atuação, a direção, as pernas em cima da mesinha de centro, e a sensação de rir embriagado, de piadas feitas por Woody Allen, bem na sala da minha casa, não é o tipo de prazer dispensável. Foi então que, pensando nisto, resolvi assumir o papel de ficar entediado, muito entediado, deitado na cama do quarto, pensando em dias melhores. O problema é que não consegui fazê-lo, pois, ao meu lado, na mesa do computador, havia um livro muito do interessante, de um sujeito que, às vezes, me deixa meio admirado, chamado José Saramargo, e foi então que comecei a ler a tal da obra, o tal do Ensaio Sobre a Cegueira, e ai já era; meu plano de ficar entediado foi por água a baixo. Ter o livro do homem ao lado da cama é, de certa forma, dormir de conchinha com o cara, entende? Não pela pederastia, mas pela intimidade, é claro. Longe de estar resignado, hoje, ainda à mesa do trabalho, olhei com os olhos semi serrados para a parede branca e pensei: Ao chegar em casa, não aproveito o dia, nem que a vaca tussa, nem que meu telefone toque, com um puta de um camarada do outro lado da linha, me chamando para o bar mais legal de São Paulo. Infelizmente o telefone tocou, e era mesmo um puta camarada meu. O bar não era o mais legal de São Paulo, mas havia umas cervejas importadas no cardápio, que só não valeu mais a pena do que as risadas que demos durante o processo de degustação das mesmas, enquanto fazíamos planos, piadas, poesias, paródias, ou seja, um prazeroso papo–furado. Agora que estou aqui em casa, frente à tela deste lindo e divertido computador, escrevendo, pra você, uma meia dúzia de palavras, decidi que vou abandonar, ao menos temporariamente, esse objetivo novo, essa idéia fixa de ficar entediado. Sabe, meu amigo, são esses livros, esses filmes, essa internet, esse mercado, essa coisa latente dentro de mim, que me faz querer fazer as coisas, me levanta da cadeira e me joga na rua, e que quando não consegue fazer isso – me jogar na rua -, fica observando-me enquanto estou deitado na cama, com o semblante triste, meio caído, meio depressivo, chateado por não ter feito nada, chateado, de verdade, por estar assim: incrivelmente entediado.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

A Chama Esconde-se nas Esquinas da Rotina


imagem: Here Comes The Flood - Rob Gonsalves

Isso foi a dois anos, no Rio de Janeiro, dentro de um ônibus laranja, 433, que passava pela Doutor Satamine, num dia bem quente, como costuma ser o verão carioca nos bairros feitos de asfalto. O sol marcava, mais ou menos, uma da tarde, e a única coisa que separava os raios de luz da pele morena daquele senhor de barba grisalha, semblante humilde, olhando pro chão, era uma janela fina de acrílico ou vidro, criando um pequeno efeito estufa, que aquecia cada vez mais suas costas, empapando a camisa branca e surrada, criando todo o desconforto, não raro, do homem que, por direito, não paga passagem por já estar velho, e senta-se lá atrás, no fundo. Todo mundo chama a máquina de “lata de sardinha”, mas a verdade é que, nas latas de sardinha, há um líquido, um óleo, eu acho, e espaço suficiente para todas elas. No caso do ônibus, nem ar passa, e as pessoas, todas, se roçam, se cheiram, se sentem e se irritam, uns com os outros, pelo desconforto causado, não pelos passageiros, mas pela sensível e humana, para não dizer fascista, organização do transporte público na cidade. Já o tal senhor gozava do pequeno privilégio de estar sentado, mas não menos desconfortável, com a ponta dos dedos da mão direita nos olhos fechados, franzindo as sobrancelhas, com a cabeça abaixada, e, com a mão esquerda, protegendo um grande saco preto, cheio de latinhas amassadas, prontas para transformarem-se em alguns centavos numa empresa de reciclagem qualquer. Embora houvesse motivo, a cabeça abaixada não estava assim por causa da sauna inoportuna, mas sim por motivos religiosos: ele estava fazendo uma oração; “me dê comida, casa, saúde, latinhas, emprego, e obrigado senhor”, essas coisas que, provavelmente, os lábios rachados encenavam sem som. Ele estava, como diria mais à frente, “fazendo uma prece”. Foi quando o ônibus reduziu a velocidade, parou no ponto da Praça Afonso Pena e soltou aquele barulho típico: “pichiiiii”. As portas abriam-se. Um ou outro desceu, um ou outro subiu, tudo com muita dificuldade, pois é difícil andar onde nem o chão está mais acessível. Em algo como uns quinze segundos depois, as portas fecharam e lá estava o 433, retomando o caminho, ganhando a rua, se não fosse por um imprevisto, um algo abafado, indesejável, algo que irrita o piloto: o velhinho soltava, com dificuldade, uns “peraí motorista! Meu ponto era esse!”, sem muito efeito, pois a máquina laranja continuava a ganhar seu destino. “Me desculpe motorista, eu estava fazendo uma prece, não notei o ponto, desculpe, deixe-me descer!”, mas o efeito era pouco. Ao menos no que tange o motorista, pois o primeiro soco foi no teto, depois mais uns nos vidros e, então, um monte de gritos: “peraí porra! Deixa o senhor descer!”, “pisa no freio, filho da puta!”, e uns comentários em meio tom: “nem parece que também é do povo, olha”, “nem os idosos se respeita mais, onde vamos parar, onde, me diz?!”. A questão é que um milagre aconteceu depois da manifestação. Dentro daquele ônibus, absolutamente lotado, abriu-se, espantosamente, uns dois metros quadrados, que iam, como um tapete vermelho, da cadeira em que o senhor estava sentado, às portas, já abertas, do 433. Mesmo suado, até fendendo ele estava, várias mãos e braços puseram o velho, com zelo e delicadeza, para fora do ônibus. Ao fundo alguns: “vá em paz!”, “Deus te abençoe!”, e um gás invisível que colocava sorrisos e olhos úmidos nos que ali ficaram, até as portas fecharem-se novamente, as rodas voltarem a tomar seu peculiar trabalho de girar para sempre, até onde ainda há pontos, paradas, destinos, pessoas, e a incrível satisfação, que nem mesmo os nefastos demônios explicam, da felicidade que é dar a própria mão para quem precisa dela, e assim, sentir-se parte de um imenso organismo, incessante, que nunca pára enquanto ainda existe boa vontade, empatia, camaradagem, tapinha nas costas, abraços e olhos que olham nos olhos, pelo simples fato de saber-se humano, como todos os outros humanos.

sábado, 2 de agosto de 2008

Primeira Impressão


imagem: Summer Interior - Edward Hopper

Da primeira vez que a vi, ela estava de vestido vermelho, cabelos bem negros e com uma franjona que chegava quase a entrar nos olhos. Por falar em olhos, os dela eram verdes e, ainda por cima, tinha aquela maquiagem bem feita, com um ar meio de egípcia, meio riscado, uma coisa charmosa, meio Amy Winehouse; só faltou um cigarro, um copo e uma puta voz linda e apaixonante, sendo que, pra falar a verdade, a respeito da voz, não sei nada, pois, por incrível que pareça, nunca a vi pronunciar uma só palavra. Depois de um tempo, fui reparar melhor no rosto dela, e ela tem o nariz um pouquinho torto, pro lado, e, às vezes, num relance ou noutro, me remete a algumas lembranças que não são tão bem vindas, mas, mesmo assim, continuo apaixonado e fico apreciando aquela obra todo dia, pelo menos uma vez, ou duas... O mais incrível é quanta coisa ela consegue me passar com a própria imagem: vejo a gente num pub, enchendo a cara de cerveja, aproveitando a noite inglesa da nossa lua de mel, pra depois irmos à França, Espanha, Portugal, Itália, Alemanha ou para qualquer lugar onde dois jovens apaixonados, sem tanto dinheiro no bolso, possam ir de trem, metrô ou carro, aproveitando a vida e, sempre que possível, cortando o vento da estrada com o rosto e sentindo a vida pulsar através do amor ou do sentimento que é isso, seja lá qual for seu nome. Vejo também as noites em que ficamos muito felizes, rindo, com aquele ar sacana, dos nossos amigos que nos chamaram pra balada, mas a gente deu uma desculpa esfarrapada qualquer, só pra podermos ficar em casa, tomando chocolate quente, enrolados no edredom, assistindo à pilha de filmes que alugamos na pequena locadora do bairro, onde a dona já até nos conhece e abre um puta sorrisão quando a gente entra, primeiro porque sabe que vai lucrar e segundo porque acha super bonitinho um casal de jovens apaixonados, de mãos dadas, escolhendo filmes na prateleira de comédia romântica, e fica dando vários conselhos sábios para a nossa futura vida de casados, contando da viagem que ela fez com o marido pelo mundo, depois de trinta anos de aliança no dedo. É incrível mesmo, fico muito tempo olhando, imaginando, idealizando, numa tentativa de viver nos pensamentos, algo que não tenho certeza se poderei viver um dia, nessa vida, nesse século, nesse planeta... Por isso me entrego, sem dó, aos devaneios dessa simples imagem, na tela do meu computador, retirada de um site pornô.

domingo, 20 de julho de 2008

Anedonia


imagem: Olaf Martens.

Notas pré-texto:

“(...) o homem é um ser inconstante e pouco honesto e, talvez, à semelhança do jogador de xadrez, goste apenas do processo de procurar atingir um objetivo, e não do objetivo em si.”

(Notas do Subsolo – Dostoiévski; tradução do francês)


“Admito: o homem é, acima de tudo, um animal que constrói, condenado a buscar conscientemente um objetivo e exercer a arte da engenharia, ou seja, a abrir caminho para si mesmo incessantemente e eternamente, não importando aonde esse caminho o leve. Mas eis que, vez por outra, ele tem vontade de se desviar para um lado, talvez precisamente porque ele esteja condenado a abrir esse caminho, e também porque, por mais idiota que geralmente seja o homem direto, de ação, às vezes ele pensa que aquele caminho, na realidade, quase sempre leva não importa aonde, o mais importante não é para onde ele leva, e sim que ele continue a levar, afim de que a criança bem-comportada, fazendo pouco da arte da engenharia, não se entregue à ociosidade destrutiva, que, como é sabido, é a mãe de todos os vícios. O homem gosta de criar e de abrir caminhos, isto é indiscutível.”

(Notas do Subsolo – Dostoiévski; tradução do francês, cap. 9)

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Era sábado e nós estávamos sentados num banco de cimento, na orla da praia. Se houvesse uma foto daquele momento, qualquer um diria: “estava frio”, mas, na verdade, aquela foi a noite mais quente da estação. Usávamos casaco por idealismo – isso não requer nenhuma explicação. Ela não tomou seus remédios, aliás, já não os tomava havia uma semana. Foi parecido com uma experiência paranormal, mas eu juro: cinco ou seis segundos antes, eu já sabia que ela daria aquele profundo suspiro; e ela deu. Sem precisar perguntar o por que, já mirou os olhos nas maçãs do meu rosto e, com as pálpebras no meio do globo, e também com o rosto bem relaxado, foi logo soltando as palavras:

- É que eu sinto que já pensei em todos os caminhos que a vida pode tomar e todos os objetivos aos quais ela chega. Já refleti sobre tudo isso, racionalmente e sentimentalmente, mesmo antes de estar perto de fazer qualquer dessas coisas. Agora, quando chega a hora de viver qualquer vivência – e a hora disso é toda hora -, já me sinto cansada, entediada... Eu sei que é um saco, mas estou assim “com preguiça de viver”.

Quando terminou de falar, deitou no meu colo e ficou ali desfalecida, como alguém que anda dormindo sem ter sono. É sabido que, como Dostoiévski já dissera, a coisa de dar movimento à vida, para muitos consiste na finalidade do próprio movimento em si, até desprezando um pouco o objetivo final das investidas. O problema dela é que já se cansou do corredor, antes mesmo de chegar ao quarto. Sendo assim, desistiu até do quarto, com a cama macia e o ar-condicionado; dormiu no chão da sala mesmo, nem deitou no sofá. Agora vejam os senhores que lêem este texto e até mesmo o senhor, Dostoiévki, que muito respeito e daria tudo por uma leve semelhança e que, também, se estiver com algum tempo vago, deve estar com os cinco dedos nas longas barbas, em alguma dimensão não tão distante, dando uma olhada neste inconseqüente que aqui escreve e que tem como maior inspiração a própria ignorância; veja: Quando acariciei os cabelos dela, já com o corpo todo mole e influenciado, disse, apenas, algo como:

- É Verônica, entendo o que você me fala. Na verdade, sinto-me, muitas vezes, exatamente assim. Passei muito tempo pensando, planejando, almejando, idealizando e, agora, justo nesta hora – que é a vida -, não quero atravessar a rua e comer no Pigalle, não quero morar ali no Sofitel, não quero tirar a roupa e pular na água... Minha maior pretensão nessa vida, ao menos para o momento, é acariciar seus cabelos até sentirmos sono e então irmos para nossa cama, onde poderemos, sem culpa, tirar estes casacos.

De súbito os olhos dela energizaram, ela me agarrou, me deitou no banco e começou a beijar-me loucamente e, no fim das contas, nós tiramos os casacos ali mesmo. Descobrimos que nem pra tudo na vida temos preguiça, mas que esta é mesmo a mãe de todos os vícios; amém.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Mulheres



Como a quebra do contrato entre a pele, os pelos e a cera quente – rasgh! -, com barulho, dor e força, meus olhos se abriram nesta madrugada; rompendo as remelas e o sono, minhas pálpebras descolaram feito lixa e o que sobrou foi minha visão mirando o teto, certificando-me de que tudo aquilo fora realmente um sonho. Sim, senhores, um sonho: Estava eu passeando no centro da cidade, num dia calmo, como tarde de Domingo; de clima ameno, de céu ameno, de asfalto e alma, também amenos - o que mais me toca no centro da cidade, às tardes de Domingo, é o espaço aberto e as calçadas amplas em contraste com as poucas pessoas que, em dias assim, resolvem desfrutar de uma caminhada... Como ia dizendo, estava lá eu andando, calmo, criando meu próprio fluxo, sozinho por mais de uma hora; então finalmente chego a um dos meus destinos favoritos: a escadaria do Teatro Municipal. Ao olhar em volta, reparei que todas as pessoas que ali andavam, tinham o mesmo corte de cabelo, o mesmo ritmo nos passos, os mesmos vestidos até o joelho, as mesmas belezas, ainda que tão diferentes umas das outras. Vestidos? - É neste ponto que eu queria chegar: eram todas mulheres. Só havia mulheres na cidade, todas em uma só cadência, respeitando às mesmas notas, todas regidas por um só maestro. Ao erguer, rapidamente, meus membros superiores para o céu, somente com o intuito, sincero, de agradecer a Deus por um momento tão valioso, percebi, concomitante com meu movimento, o movimento de todas elas: sim! O maestro era eu! Estava impressionado, eu era feliz. Decidi que regeria minha favorita; tocaria Bach! Prelúdio da Suite n° 3, a Sexta Obra! – E assim o fiz; eu tocava! Todas elas andando na praça, como uma dança num fim de tarde. Todas com seus poderes, encantos e vaginas. Muito mais do que sexo: Vaginas. Cada mulher uma célula de arte tão rara, tão única, que se expressa como toda obra ímpar: imprevisível, improvável, impressionante; infinita. Nada, além da mais pura alegria, poderia ser combustível para movimentos tão exultantes de minhas mãos, de meus braços, de meu corpo, de minha alma. Cada vez mais agitado, regi aquela orquestra, aproximando-me melancolicamente do final da obra. Realmente não sabia, mas meu coração pode prever os futuros minutos... Ao acabar a música, todas as mulheres, uma após a outra, transubstanciaram-se em fumaça – Sublimação? Não sei até que ponto estes avatares são sólidos. Como barulho de chuva, só pude escutar seus óculos, brincos, colares, vestidos, todos se soltando no chão após o sumiço de suas donas. Como um louco, corri atrás de cada uma, remexi o resto de suas roupas, cheirando-as, olhando para o céu, tentando entender, mas não havia explicação. A minha volta, agora, só havia vazio, vento, sopro de vento, assobios... Cabisbaixo, andei por toda São João e, já lá no final, bem cansado, pude então constatar: Sem elas, não adianta; não há poesia. Sem poesia, não adianta; não existe viver e achar graça. Sendo assim, neste momento não havia por que andar, viver ou esperar... E a dor nos olhos, o ardor, as remelas... Graças a Deus, agora estou vendo o teto. Ele me cobre até o pescoço, afana minha cabeça e diz: Calma; apesar do susto, tudo isso fora, realmente, apenas um sonho. Meu fiel companheiro, o teto do meu quarto...


Imagem: Olaf Martens.

domingo, 29 de junho de 2008

Carta à Ana



Sabe por que eu gostei de você, Ana? Sabe como eu consegui, realmente, amar você? Porque eu não faço questão de pão francês no café da manhã, nem de feijão no almoço, nem de carro na garagem. Não faço questão de TV na sala, nem de olho gordo de vizinho, nem de ancas promissoras. Pra mim já estaria bom o cheiro dos seus cabelos pela manhã, amassadinhos no travesseiro e a gente num colchonete. Um ninho de edredom e lã, bem debaixo da janela. Sabe a janela? Pra mim já estaria boa, com vista pro vizinho da frente; sem perspectiva. Aliás, nunca gostei de perspectivas. Sabe por que eu gostei de você, Ana? Porque eu nunca gostei de perspectivas: prefiro muito mais o lado de dentro; ainda que apertadinho, pequeno, não todo cheio desse glamour, que, aliás, eu também não gosto. Se for pra projetar, prefiro usar uma lupa. Sabe por que eu gostei de você, Ana? Porque eu sempre usei uma lupa. Eu via você com uma lupa, Ana; a minha lupa. As coisas pequenas, os detalhes; eles ficam todos grandes. É esse o valor do pequeno: Grande. Além do mais, essa questão é maior... Bem maior do que nossas lentes. Isso tem a ver com os Eu´s, Ana: são muito maiores do que os Eles. Os Eles deveriam entender melhor os Eu´s. Pois sabe o que aconteceria, Ana? Logo, logo, Tudo, seria Nós. E Nós, Aninha... É muito mais bonito.

Agora, Aninha, que o ninho debaixo da janela pegou fogo, que o cheirinho do shampoo é só de shampoo, sem suor, sem amor... Já tratei de fazer outros planos. Pra hoje eu almejo somente: comida leve, banho quente, livro bom e cama macia. Os sonhos, Aninha, vou continuar sonhando – os sonhos bons. Pra mim, eles sempre foram como festa americana: cada um leva alguma coisa, e assim garante a própria presença. Eu te disse: vou continuar sonhando. Mas dessa vez só entra convidado, Ana. Não adianta levar docinhos. Aliás, Aninha, eu estou fazendo dieta. Só como amor, amizade, boa intenção e essas comidas leves. Sabe... Vai que alguém resolve me olhar com uma lupa? Ah, eu vou querer estar em forma, Aninha... Aliás, já estou bem bonito.

De manhã lhe deixei um bilhete, feito uma pequena aliteração: Parado, polido, pensando na praça... Eu até lembrava de você, Ana. Eu ainda lembro. Mas sabe... Já não é a mesma coisa.


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E um recadinho: Estou escrevendo agora num blog de educadores chamado: Ser Humínimo. Quem quiser conferir o que rola, é só entrar no link. São todos professores da rede pública, com cabeças muito abertas e com muito a dizer. Meu texto de estréia, lá, chama-se: Sobre Meter Colheres.

[ http://serhuminimo.blogspot.com ]

domingo, 15 de junho de 2008

Ian Seguiu Sua Mente

Antes do texto de hoje, gostaria de pedir mil desculpas para todos vocês que andam comentando e acompanhando, tão atentamente, o meu blog, por eu não ter respondido nas últimas semanas! Mesmo eu não respondendo, continuam vindo aqui sempre dar uma conferida e isso me deixa, realmente, muito feliz e empenhado para continuar com este espaço! Desculpem-me!

Não tenho tido tempo, devido ao meu novo emprego. Agora tenho o dia repleto de atividades. O que sobra de mim, infelizmente, fica guardado pro cansaço.
Prometo que no próximo fim de semana, vou pegar algumas horas e responder a todos, com muita alegria no peito; prometo! rs

Agora, pra não passar em branco, vou deixar aqui um novo conto: Ian Seguiu Sua Mente.

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E então, Ian; sente-se resignado? Correu com todas as forças, a ponto de andar sobre a água, somente para poder alcançá-la e desistes? Não obstante, alguma coisa, dentre todas as coisas, tu tiras, Ian. Tens que tirar. Precisas! Este cigarro em tua boca, Ian? É para exortá-lo? É para fazer charme? É para espantar mosquitos, Ian? Apague esta porra e acenda esta chama, camarada! Teu amor se encontra a duas quadras! Nem ferir teus pés, tu vais, Ian; acorde!

- Ninguém espera de mim, mais do que ando fazendo. Ela pode ter tudo, mas a mim, não mais. Eu só tenho tudo que quero, por não querer droga nenhuma. Nunca perco nada, porque não tenho nada. Nem disputar eu disputo – exceto comigo mesmo. Vou continuar aqui e esperar, até que ela entre, passe por aquela maldita porta e só saia de lá com os devidos pontos finais. Cansei de vírgulas! – Ian respondia sua consciência.

Ora Ian, o que é que te custa?! Não há nada aprazível nesta desistência mórbida, meu camarada! Vá lá! Vá lá! Chute aquela porta e grite! O fundo destes copos, você já conhece muito bem! O teu coração, pra ti mesmo, é, ainda, mistério, homem. Vamos lá que eu te ajudo; te digo o que dizer, irmão. Somos a mesma pessoa! Chapéu na cabeça; bata o pó da espádua. Entre lá e lhe diga! Vá!

Lá em cima uma cruz, cá em baixo esta porta. Tomastes a atitude certa, camarada. Chute a porta! Chute a porta!

- Valéria, desça daí! Esse verme não te merece! – Ian arrebentou o pé na porta da Igreja, e já entrou gritando suas dores. Valéria estava casando-se com Márcio, seu psicólogo; agora noivo. A igreja toda, escandalizada, olha para ele e, apenas, se ouve o som incessante dos olhares tensos.

- Ian, por favor, você não tomou seu remédio?! Esta é a quarta vez que nos interrompe! Desculpem-me, pessoal! Daqui a dez minutos a gente retoma! Dez minutinhos. – Após as palavras, Valéria caminhou estressada na direção de Ian e o advertiu, o beijou, o colocou num taxi e voltou para o trabalho. Ian, sempre que deixa de tomar o remédio, enche a cara e interrompe as gravações de Valéria. Mas até que eles formam um belo casal. Valéria costuma dizer que não troca ele por nada. O amor supera até a esquizofrenia; toalha molhada em cima da cama e lata de cerveja manchando a mesa, são as únicas coisas que fazem Valéria pensar em divórcio.


;)

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Sofia ligou-me na sexta



Muita pressão. O céu estava com o pé em sua nuca, espremendo seu rosto no asfalto. Ian estava confuso e sentia uma abelha africana, picando todo o seu estômago por dentro. Conversou consigo mesmo, durante muito tempo, até tomar sua próxima atitude:

- Desta vez, Sofia, serei só metade. Sua mãe abriu-me os olhos; disse que quem não arrisca, ainda assim, corre o risco de nunca chorar por um motivo realmente legítimo. A outra metade deixarei com você, Sofia; ficará aos seus cuidados. E você vai cuidar bem, não vai, Sofia? Ai, Sofia... - Ele sofria.

Uma vibração estranha: Era o aparelho, sua mais nova aquisição, um telefone celular. A moça respondera a mensagem, mais ou menos, quinze minutos após a dele, mas o rapaz era tão ansioso, que pensou já terem se passado algumas horas. Imagine a cena: O barulho da madeira de sua escrivaninha vibrando, ele olha, vê seu Motorola, seu coração dispara, o sangue de um corpo inteiro, já todo à cima do pescoço; começa a suar frio e então! Corre em direção a ele, aperta-o entre suas mãos, tão forte, que pula feito sabonete molhado, e ele, como um malabarista, tenta agarrá-lo, espalmando-o de um lado pro outro, feito batata quente. O celular cai pela janela e ele, por puro reflexo, pula, também, pela janela. Eram dois andares.

Um enorme arranhão no braço, uma forte dor na bacia. Sujo e fedendo, Ian caiu numa grande lata de lixo orgânico. Nem teve tempo de agradecer às cascas de banana, laranja e ovos, pela cama que o amortecera; olhou logo no visor rachado do, naquele momento, tão valioso aparelho, a esperada mensagem que dizia:

“Ian, seu bobo, pode ficar tranqüilo! Sua metade eu guardei num cofre, que nem pra Deus eu digo a senha. E também pode ficar seguro, porque metade minha, eu deixei debaixo do seu travesseiro: agora é sua; cuide direitinho!”

Os vizinhos, todos, olhando através de suas janelas. Olharam pro trânsito, olharam pro posto de gasolina da esquina e então olharam pra baixo, Ian saindo da lata. Além de olhos arregalados, gritos de desespero, risadas de transeuntes e os mais diversos comentários, foram dez metros de sorriso, vinte quilos de alegria e sessenta e cinco minutos de banho quente.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Crônica pra contar pro espelho



Era uma tarde amena. Ele andava pela cidade descobrindo novas distrações para pessoas solitárias em tardes de Domingo. São Paulo o acostumou a uma dinâmica que antes não havia visto muitas vezes: caminhava sempre cerca de dez minutos seguidos, resfriado pela sombra que os prédios faziam, até encontrar uma fresta de céu aberto onde o sol batia em seu corpo, lambendo seu rosto, entrando em sua roupa, massageando suas costas e, por fim, dando-o a maravilhosa sensação provocada pelo choque térmico; um orgasmo poético. Ele era só mais um amontoado de carne, ossos e alma, esquentando-se na movimentada rua acinzentada, frente ao Centro Cultural que descobrira.

Já na bilheteria do cinema – entrada franca para filmes de Alexander Kluge – trocou olhares com uma mulher assustadoramente branca, de cabelos muito negros e olhos gigantescamente verdes. Pegaram ingressos para o mesmo filme e caminharam juntos para o mesmo bar, onde fizeram hora até que se abrisse a sala escura. Tomaram café juntos, fumaram um ou dois cigarros, sorriram um para o outro, mas, durante todo o tempo, não disseram uma só palavra. Ele estava impressionado com os sentimentos que o rosto dela causava nele. Ela parecia cada vez mais interessada em continuar olhando fixa e absorta os olhos dele, assistindo-o a cada gole daquela bebida tão aconchegante. Sentaram-se juntos durante o filme e, dos vinte minutos em diante, ficaram abraçados intimamente até o final da sessão. Ele a levou pra casa, que ficava a duas quadras dali, e, ao deixá-la na portaria, finalmente quebrou-se o silêncio:

- Meu nome é Paula. Eu o amo. – ela disse.

Nesse momento, ele puxou as mãos delicadas da moça para o seu peito e sorriu serenamente, como quem tem todas as respostas para a vida, mesmo após ela mudar as perguntas. Como quem entra aos poucos, acomodou-se dentro daqueles enormes olhos verdes e disse:

- Eu sempre soube disso. Só precisava te encontrar para que me confirmasse.

Paula sorriu, pegou um papel com seu número e pressionou contra a palma da mão do rapaz. Beijou-o nos olhos e subiu para seu apartamento. Ele, ao chegar em casa, deitou-se em sua cama com um enorme sorriso estampado na alma. Dormiu.

Agitado, acordou de madrugada, ligou para ela, que, ao atender, disse apenas:

- Estou lhe esperando.

Então o rapaz foi até lá e, hoje, os dois dormirão juntos, assim que ele acabar de escrever esse texto.

domingo, 11 de maio de 2008

Chiclete de menta


Posso imaginar cada partícula do perfume artificial de menta, entrando em minhas vias nasais, ativando minhas mais variadas percepções. Naquele momento, sem muitas reflexões, mas apenas numa fração de segundo, além de reconhecer o cheiro, recordei, inconscientemente, de cada passagem de minha vida ligada ao mesmo, reativando, ali, cada sensação agradável da brisa daquele chiclete. Sim, ela mascava um chiclete. Seus olhos claros, verdes, se não me engano, recebiam meus gritos baixos, a menos de um palmo de distância. Furavam meu rosto em espera, prontos para, após toda a cena, mostrar a transcendência de um olhar que fala. E ela falara tudo; ela e seus olhos.
Há quem se apaixone por homens, mulheres, coisas, conquistas... Eu me apaixono por olhos - eventualmente, também, por seus donos. Luana era mais que um olhar e eu não mais que um chiclete. Um afortunado chiclete de menta.

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Este sou eu, tocando algo bonito.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Sobre o tal brilho eterno



Dizia ele, serenamente, no seu velho costume de relatar suas máximas para o teto de seu quarto.


- Realmente... As lembranças até vão embora, mas o brilho que fica é eterno. Só eu sei como é o sorriso que, internamente, rasga meu semblante, quando me lembro dos telefonemas da Fernanda, dos beijos da Taís e do jeitinho de cortar os legumes, na beira da pia, da Adriana. Quando hoje, por acaso, as vejo, não me lembro dos telefonemas, ou dos beijos ou dos legumes. Só o que fica é o brilho desse interno sorriso. Esse tal brilho eterno de uma mente sem lembranças...


Às vezes, o teto esperava ele dormir e o respondia em seus sonhos:

- Essa deve ser a pequena parte dentro da gente, que se apaixona de verdade pelo outro, e não por o que buscamos de nós mesmos nele.


- Sabe... Eu nem cheguei a decorar o celular dela. – ele disse.


- Números... São tão objetivos. Não fazem seu estilo. Aposto que alguma coisa que outros não lembrariam, você deve guardar, de cor, ai dentro. – retrucou o sábio teto.


- Lembro sim. De cada calçado na prateleira improvisada. Para uma mulher com dois pés, ela tinha sapatos demais.

domingo, 4 de maio de 2008

Velório de um futuro que não veio


Estranho. Aquele momento não teria melhor descrição. Os dois sentados no escuro, debaixo da janela que jogava o restinho de luz dos postes da cidade. O clima era o de uma confusão psicológica que os dois experimentavam juntos.

- Posso te confessar uma coisa?

Ele perguntou com aquele olhar. Um que não conseguia repousar nos olhos dela, nem por um segundo. Olhava sempre pro chão, e deste, arrastava à parede; repetindo o caminho num vai e vem conturbado e ansioso.

- Eu nunca imaginei que isso fosse possível.
- O que? - Ela perguntou.
-
A gente, esse conjugado, essa janela. Nossos Mundos tão diferentes. Quando meu primeiro dente caiu, você já comprava absorventes...

Ela mesma não disse nada. Os olhos dela tinham uma característica que sempre o intrigou: Eram sempre úmidos. Além de que, o olhar dela era sempre de baixo pra cima e sempre dizia: “há algo mais pra ser dito?”. Ela não era um exemplo de pessoa dessas que acham que a vida pode ser grande, mas os olhos sempre esperavam por algo mais. Se a frase dita tivesse três palavras, os olhos dela se preservavam até o tempo de serem ditas seis.

- Nossa Vênus precisa de mistério. Se não houver mistério a gente enjoa... Você já está enjoada? Eu to sentindo que está. Fale a verdade, eu agüento. – ele mentia.

Na cabeça dela, essas últimas palavras não foram recebidas em português. Vieram num estranho dialeto, que as resumiu a uma simples mensagem: “sou um garoto ansioso, tenho pressa, estou nervoso; vamos viver essa vida logo, vamos?”. E, para ser sincero, ela não tinha mais energia para isso. Quando ele foi embora, ela ligou a TV, fumou seus cigarros e sentiu-se, mais ou menos, como se aquele momento fosse o melhor que a vida poderia oferecer. Já o rapaz, ao pisar na rua, foi abduzido pelo destino e eles nunca mais se viram.

Dizem que hoje eles são tão diferentes, que moram no mesmo prédio, são vizinhos de porta, mas quando se cruzam não reconhecem um o outro. Dão bom dia por educação e seguem suas vidas. Ele um escritor estranho, ela uma professora cansada.

sábado, 3 de maio de 2008

Tristezas de um cara alegre



Há mais habitantes em sua boca do que na cidade de São Paulo. Hoje essa frase me faz sentido. Já são oito da noite e, ontem, passado um pouco dessa mesma hora, estava eu vomitando aquele rato morto em forma de x-bacon que se compra na rua por menos de cinco pratas. Podrão é o nome pelo qual o chamam. De certo que todas aquelas cervejas e doses intercaladas de conhaque Drea, ajudaram a produzir a escatológica cena, onde o palco era o meu banheiro de madrugada. A privada alimenta-se de tudo o que não nos serve. É o equilíbrio da vida: Perfeito.

Oito da noite, eu já disse. Volto às ruas frias da noite de São Paulo, para degustar mais uma ou outra cerveja, enquanto jogo conversa dentro com meu prestigioso irmão, que vem de longe. Se eu fosse um inseto, não passaria por isso. Minha sorte, não ser um inseto.

No momento sinto-me virado. O psiquiatra constatou bipolaridade, mas me recuso a tomar aqueles remédios. Prefiro a literatura. Quando estou assim, embora profundo apreciador de amores ilusórios, de vida romântica e de suicídio aos 21, constato, quase por osmose, que nenhuma boca vale mais que o meu sorriso.

Vinte horas, pra ser mais exato. É duro pensar que, por diversos esdrúxulos motivos, ainda não escovei meus dentes.

It´s only my starry night...

 
Olhando Pra Grama