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quarta-feira, 21 de maio de 2008

Sofia ligou-me na sexta



Muita pressão. O céu estava com o pé em sua nuca, espremendo seu rosto no asfalto. Ian estava confuso e sentia uma abelha africana, picando todo o seu estômago por dentro. Conversou consigo mesmo, durante muito tempo, até tomar sua próxima atitude:

- Desta vez, Sofia, serei só metade. Sua mãe abriu-me os olhos; disse que quem não arrisca, ainda assim, corre o risco de nunca chorar por um motivo realmente legítimo. A outra metade deixarei com você, Sofia; ficará aos seus cuidados. E você vai cuidar bem, não vai, Sofia? Ai, Sofia... - Ele sofria.

Uma vibração estranha: Era o aparelho, sua mais nova aquisição, um telefone celular. A moça respondera a mensagem, mais ou menos, quinze minutos após a dele, mas o rapaz era tão ansioso, que pensou já terem se passado algumas horas. Imagine a cena: O barulho da madeira de sua escrivaninha vibrando, ele olha, vê seu Motorola, seu coração dispara, o sangue de um corpo inteiro, já todo à cima do pescoço; começa a suar frio e então! Corre em direção a ele, aperta-o entre suas mãos, tão forte, que pula feito sabonete molhado, e ele, como um malabarista, tenta agarrá-lo, espalmando-o de um lado pro outro, feito batata quente. O celular cai pela janela e ele, por puro reflexo, pula, também, pela janela. Eram dois andares.

Um enorme arranhão no braço, uma forte dor na bacia. Sujo e fedendo, Ian caiu numa grande lata de lixo orgânico. Nem teve tempo de agradecer às cascas de banana, laranja e ovos, pela cama que o amortecera; olhou logo no visor rachado do, naquele momento, tão valioso aparelho, a esperada mensagem que dizia:

“Ian, seu bobo, pode ficar tranqüilo! Sua metade eu guardei num cofre, que nem pra Deus eu digo a senha. E também pode ficar seguro, porque metade minha, eu deixei debaixo do seu travesseiro: agora é sua; cuide direitinho!”

Os vizinhos, todos, olhando através de suas janelas. Olharam pro trânsito, olharam pro posto de gasolina da esquina e então olharam pra baixo, Ian saindo da lata. Além de olhos arregalados, gritos de desespero, risadas de transeuntes e os mais diversos comentários, foram dez metros de sorriso, vinte quilos de alegria e sessenta e cinco minutos de banho quente.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Crônica pra contar pro espelho



Era uma tarde amena. Ele andava pela cidade descobrindo novas distrações para pessoas solitárias em tardes de Domingo. São Paulo o acostumou a uma dinâmica que antes não havia visto muitas vezes: caminhava sempre cerca de dez minutos seguidos, resfriado pela sombra que os prédios faziam, até encontrar uma fresta de céu aberto onde o sol batia em seu corpo, lambendo seu rosto, entrando em sua roupa, massageando suas costas e, por fim, dando-o a maravilhosa sensação provocada pelo choque térmico; um orgasmo poético. Ele era só mais um amontoado de carne, ossos e alma, esquentando-se na movimentada rua acinzentada, frente ao Centro Cultural que descobrira.

Já na bilheteria do cinema – entrada franca para filmes de Alexander Kluge – trocou olhares com uma mulher assustadoramente branca, de cabelos muito negros e olhos gigantescamente verdes. Pegaram ingressos para o mesmo filme e caminharam juntos para o mesmo bar, onde fizeram hora até que se abrisse a sala escura. Tomaram café juntos, fumaram um ou dois cigarros, sorriram um para o outro, mas, durante todo o tempo, não disseram uma só palavra. Ele estava impressionado com os sentimentos que o rosto dela causava nele. Ela parecia cada vez mais interessada em continuar olhando fixa e absorta os olhos dele, assistindo-o a cada gole daquela bebida tão aconchegante. Sentaram-se juntos durante o filme e, dos vinte minutos em diante, ficaram abraçados intimamente até o final da sessão. Ele a levou pra casa, que ficava a duas quadras dali, e, ao deixá-la na portaria, finalmente quebrou-se o silêncio:

- Meu nome é Paula. Eu o amo. – ela disse.

Nesse momento, ele puxou as mãos delicadas da moça para o seu peito e sorriu serenamente, como quem tem todas as respostas para a vida, mesmo após ela mudar as perguntas. Como quem entra aos poucos, acomodou-se dentro daqueles enormes olhos verdes e disse:

- Eu sempre soube disso. Só precisava te encontrar para que me confirmasse.

Paula sorriu, pegou um papel com seu número e pressionou contra a palma da mão do rapaz. Beijou-o nos olhos e subiu para seu apartamento. Ele, ao chegar em casa, deitou-se em sua cama com um enorme sorriso estampado na alma. Dormiu.

Agitado, acordou de madrugada, ligou para ela, que, ao atender, disse apenas:

- Estou lhe esperando.

Então o rapaz foi até lá e, hoje, os dois dormirão juntos, assim que ele acabar de escrever esse texto.

domingo, 11 de maio de 2008

Chiclete de menta


Posso imaginar cada partícula do perfume artificial de menta, entrando em minhas vias nasais, ativando minhas mais variadas percepções. Naquele momento, sem muitas reflexões, mas apenas numa fração de segundo, além de reconhecer o cheiro, recordei, inconscientemente, de cada passagem de minha vida ligada ao mesmo, reativando, ali, cada sensação agradável da brisa daquele chiclete. Sim, ela mascava um chiclete. Seus olhos claros, verdes, se não me engano, recebiam meus gritos baixos, a menos de um palmo de distância. Furavam meu rosto em espera, prontos para, após toda a cena, mostrar a transcendência de um olhar que fala. E ela falara tudo; ela e seus olhos.
Há quem se apaixone por homens, mulheres, coisas, conquistas... Eu me apaixono por olhos - eventualmente, também, por seus donos. Luana era mais que um olhar e eu não mais que um chiclete. Um afortunado chiclete de menta.

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Este sou eu, tocando algo bonito.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Sobre o tal brilho eterno



Dizia ele, serenamente, no seu velho costume de relatar suas máximas para o teto de seu quarto.


- Realmente... As lembranças até vão embora, mas o brilho que fica é eterno. Só eu sei como é o sorriso que, internamente, rasga meu semblante, quando me lembro dos telefonemas da Fernanda, dos beijos da Taís e do jeitinho de cortar os legumes, na beira da pia, da Adriana. Quando hoje, por acaso, as vejo, não me lembro dos telefonemas, ou dos beijos ou dos legumes. Só o que fica é o brilho desse interno sorriso. Esse tal brilho eterno de uma mente sem lembranças...


Às vezes, o teto esperava ele dormir e o respondia em seus sonhos:

- Essa deve ser a pequena parte dentro da gente, que se apaixona de verdade pelo outro, e não por o que buscamos de nós mesmos nele.


- Sabe... Eu nem cheguei a decorar o celular dela. – ele disse.


- Números... São tão objetivos. Não fazem seu estilo. Aposto que alguma coisa que outros não lembrariam, você deve guardar, de cor, ai dentro. – retrucou o sábio teto.


- Lembro sim. De cada calçado na prateleira improvisada. Para uma mulher com dois pés, ela tinha sapatos demais.

domingo, 4 de maio de 2008

Velório de um futuro que não veio


Estranho. Aquele momento não teria melhor descrição. Os dois sentados no escuro, debaixo da janela que jogava o restinho de luz dos postes da cidade. O clima era o de uma confusão psicológica que os dois experimentavam juntos.

- Posso te confessar uma coisa?

Ele perguntou com aquele olhar. Um que não conseguia repousar nos olhos dela, nem por um segundo. Olhava sempre pro chão, e deste, arrastava à parede; repetindo o caminho num vai e vem conturbado e ansioso.

- Eu nunca imaginei que isso fosse possível.
- O que? - Ela perguntou.
-
A gente, esse conjugado, essa janela. Nossos Mundos tão diferentes. Quando meu primeiro dente caiu, você já comprava absorventes...

Ela mesma não disse nada. Os olhos dela tinham uma característica que sempre o intrigou: Eram sempre úmidos. Além de que, o olhar dela era sempre de baixo pra cima e sempre dizia: “há algo mais pra ser dito?”. Ela não era um exemplo de pessoa dessas que acham que a vida pode ser grande, mas os olhos sempre esperavam por algo mais. Se a frase dita tivesse três palavras, os olhos dela se preservavam até o tempo de serem ditas seis.

- Nossa Vênus precisa de mistério. Se não houver mistério a gente enjoa... Você já está enjoada? Eu to sentindo que está. Fale a verdade, eu agüento. – ele mentia.

Na cabeça dela, essas últimas palavras não foram recebidas em português. Vieram num estranho dialeto, que as resumiu a uma simples mensagem: “sou um garoto ansioso, tenho pressa, estou nervoso; vamos viver essa vida logo, vamos?”. E, para ser sincero, ela não tinha mais energia para isso. Quando ele foi embora, ela ligou a TV, fumou seus cigarros e sentiu-se, mais ou menos, como se aquele momento fosse o melhor que a vida poderia oferecer. Já o rapaz, ao pisar na rua, foi abduzido pelo destino e eles nunca mais se viram.

Dizem que hoje eles são tão diferentes, que moram no mesmo prédio, são vizinhos de porta, mas quando se cruzam não reconhecem um o outro. Dão bom dia por educação e seguem suas vidas. Ele um escritor estranho, ela uma professora cansada.

sábado, 3 de maio de 2008

Tristezas de um cara alegre



Há mais habitantes em sua boca do que na cidade de São Paulo. Hoje essa frase me faz sentido. Já são oito da noite e, ontem, passado um pouco dessa mesma hora, estava eu vomitando aquele rato morto em forma de x-bacon que se compra na rua por menos de cinco pratas. Podrão é o nome pelo qual o chamam. De certo que todas aquelas cervejas e doses intercaladas de conhaque Drea, ajudaram a produzir a escatológica cena, onde o palco era o meu banheiro de madrugada. A privada alimenta-se de tudo o que não nos serve. É o equilíbrio da vida: Perfeito.

Oito da noite, eu já disse. Volto às ruas frias da noite de São Paulo, para degustar mais uma ou outra cerveja, enquanto jogo conversa dentro com meu prestigioso irmão, que vem de longe. Se eu fosse um inseto, não passaria por isso. Minha sorte, não ser um inseto.

No momento sinto-me virado. O psiquiatra constatou bipolaridade, mas me recuso a tomar aqueles remédios. Prefiro a literatura. Quando estou assim, embora profundo apreciador de amores ilusórios, de vida romântica e de suicídio aos 21, constato, quase por osmose, que nenhuma boca vale mais que o meu sorriso.

Vinte horas, pra ser mais exato. É duro pensar que, por diversos esdrúxulos motivos, ainda não escovei meus dentes.

It´s only my starry night...

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Sobre escovar os dentes



Não consigo saber quantos, mas eram muitos dentes naquele sorriso. Nutrido de uma estranha alegria nostálgica, sentia a luz branca emanada de um achado: Seu ki mono tamanho “P”. Sim, isso é fato. Ele pertence à geração de jovens quase saudáveis que fizeram judô quando criança. No seu caso era o professor Agimiro, que dava porrada quando ia às aulas sem cortar as unhas. Depois Leonardo Lara, que deu a ele a camisa da equipe, inflando o ego do pequeno menino reprimido. Tudo isso fazia sentido. A infância fora abastecida com Jaspion, Giban e Lion Man.

Hoje o garoto malha. E já todo musculado, olha pro espelho tentando se convencer de que aquele tamanho todo é condizente com a força de seu espírito. Às vezes se acha fraco, mas quando cai em si, sempre concorda que qualquer outro que tivesse que viver em seu corpo, regido pelos astros que moldam suas emoções à flor da pele, teria se jogado da janela daquele lindo apartamento de frente pra praia de Copacabana. O interno suprindo o externo. Na vida dessa mulher que habita as esquinas de sua personalidade, isso sempre acontece.


Vazio, vazio, pela metade... Cada um desses copos no balcão de um pé-sujo qualquer da cidade, passou por lábios pouco satisfeitos com a condição de suas existências. Ele queria um amor.

 
Olhando Pra Grama