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quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Destino

imagem: DAVID LACHAPELLE


- Procuro atriz pornô jovem, bonita, inteligente, que tenha cansado da carreira, e que esteja procurando uma nova vida, longe das câmeras e das noites. Que esteja, também, procurando um rapaz jovem, sem muitas malícias na vida, sem dinheiro no bolso, nem nada a oferecer, além um grande amor despreparado e utópico, dedicação, vontade de ser feliz, e suspiros apaixonados. Tem que ter boas intenções, sensibilidade para a arte, o pensamento, e o amor em geral (mas não com “geral”). Preferência para as que tenham signo de água. -

Então o garoto suspirou fundo, deu um beijo nas anotações, e as entregou para a moça dos classificados, acompanhado de uma gorjeta que ele guardou do último salário. Voltou para casa, sentou-se de frente para o telefone de seu quarto, em cima de sua escrivaninha, apoiou o queixo com a palma da mão, e ficou aguardando esperançosamente.

“Triiiimmm!”, disse o telefone. Rapidamente ele atendeu, e cuspiu um: “Alô!”

“Boa tarde, aqui quem fala é a Luciana. Você é o Pedro?”

“Sim, sou eu mesmo!”, respondeu o garoto, com um sorriso de leste a oeste, estampado no rosto.

“Pedro, eu vi seu anúncio no jornal. Estou tão emocionada. Acho que encontramos o que queríamos”, disse Luciana, do outro lado da linha.

“Que legal! Eu tinha certeza que esse anúncio cairia em boas mãos!”, responde Pedro, radiante, radiante! “Mas me conte mais sobre você, Luciana!”

“Sim, Pedro! Foi fantástico! Mas então... Meu caso é o seguinte: Quando eu tinha vinte e quatro anos, queria fazer belas artes, na FAAP, mas o curso era muito caro pra mim. Então convenci meu pai a pagar metade, e a outra metade, eu pagava trabalhando em uma loja de quadros antigos. Quando meu pai morreu, eu já estava no terceiro ano, e, embora não pudesse pagar sozinha, resolvi não desistir. Comecei a fazer programas, através do amigo de um cara, que conheci na faculdade mesmo, logo no primeiro semestre. Puta de luxo. Ganhei uma boa grana com isso. Quando tudo ia bem, recebi uma proposta para fazer um filme pornô, e a grana era muito boa. Topei, e minha carreira só cresceu, dali em diante. Hoje tenho trinta anos, e já tenho o que preciso pra viver, mas já to cansada desse mundo, que tem seu lado bom, mas em geral é muito pesado... Há um ano parei com os filmes. Com os programas já parei faz tempo... Hoje, quando abri o jornal, fui ler os classificados, e isso é muito estranho, porque nunca leio os classificados, e lá estava seu anúncio. Bom, isso deve ter cerca de uma hora atrás... A questão é: Liguei, e adorei sua voz. Que tal a gente sair e tomar um chope?”

“Às sete no Espaço Unibanco, ta bom pra você?”, perguntou Pedro, naturalmente.

“Sim, claro, pode ser. Mas se for o último do Woody Allen, eu já assisti, ta?”

“Não pô, pode deixar! Chegando lá, você escolhe, a não ser é claro, que você queira ver o do Selton Mello, porque esse aí eu já vi, e me deixou pra baixo...”

“Não, não, esse aí eu vi também... Mas nosso papo sobre cinema, fica pro ao vivo, tudo bem?”, respondeu Luciana, em tom de simpática brincadeira.

“Pode ser, mas cinema está na pauta. Dessa discussão você não me escapa! Hehehe!”

E o mais incrível, é que Pedro e Luciana foram felizes para sempre, graças aos nossos queridos Classificados! Anuncie você também! 0XX – 11- 0078-5667.

sábado, 22 de novembro de 2008

Video Conto




Pra quem se arrisca, este é um vídeo-conto, onde recito um dos meus através de narração e imagens.

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Ficha técnica:

Voz, texto e vídeo: Igor Lessa

Imagens: Google Images.
Música: Bach - Cello Suite No. 1 in G Major - Prelude.
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Inferência:

Em câmera lenta, ele tateava com o olhar cada saliva, cada gotícula de cúspe que saia por entre os dentes amarelados e sujos do público na arquibancada. Gordos e rosados, eles gargalhavam, apontavam, lacrimejavam e entupiam-se com seus próprios ângulos. Desta vez o palhaço resolveu ficar parado e, olhando o público, esperou que cada um se calasse, para então dizer em som elevado, porém de forma seca e potente, a seguinte e sintética frase: "a vida, senhores, é bem mais que uma piada.".

Pegou suas coisas, e, ainda maquiado, rumou de bicicleta para a cidade vizinha, onde lavou pratos, fumou cigarros, e comeu verduras pelo resto de sua vida. Contente, todo dia antes de dormir ele lembra que, infelizmente, ainda não está acordado.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O Quadro

Foto: Jean Saudek

A fisiologia do sujeito desenvolveu-se no sentido de um rosto fora do comum. Um rosto que quando passava frente à moça da cantina no primário, chamava a atenção dela, e também de uns sujeitos de rosto comum, de alma comum, de coração comum, assim, resumidamente, uns sujeitos comuns, que estudavam com ele. Esses já falados nutriam antipatia com o tal do rosto fora do comum. Não pelo fato de ser bonito, porque não o era. Ter uma beleza fora do comum, ainda assim é ter um rosto comum, pois olhando por este ângulo, ali está tudo certinho, tudo simétrico, tão dentro do comum, que por ser demasiadamente dentro, tornou-se fora dele: uma beleza-fora-do-comum. Enfim, não era o caso dele. E também o inverso não se afirma, pois uns achavam o rapaz feio, outros não, sendo assim esta questão um pouco relativa, ou “relativizável”. O moço cresceu e virou um homem feito, com relógio de ponteiro no pulso, blazer preto, e óculos escuros. Ganhou um monte de responsabilidades, vaidades, neuroses, complexos... E depois de muito tempo, aconteceu o tal fato curioso: ele ficou tão comum, que o rosto incomum já nem mais ficava evidente. O corte de cabelo, os óculos de design moderno, e o cheiro de perfume caro, cobriram toda aquela luminosidade do diferente. Inclusive aqueles amigos de rosto comum no primário, passaram a se identificar com o tal sujeito, e viraram companheiros de trabalho, de clube, de fim de semana, tendo hábitos muito parecidos. O rapaz continuou com a vida, fazendo a barba de manhã, ensaiando elaborados nós na gravata... Ia para o maravilhoso emprego comum, dirigindo um elegantíssimo carro comum, dando “bons dias” comuns, e recebendo os comuns elogios. Até que um dia não conseguiu dar seqüência à rotina, pois havia transformado-se em um quadro, na sala de estar da empresa.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

A Escalada


Então o sujeito já havia rasgado sua camisa, um pedaço da calça, arranhado o braço, o rosto, mais precisamente a testa, arranhado a lente dos óculos, e, pra completar, suou bastante em cima de todas as feridas, o que fez com que ardessem mais do que, teoricamente, era pra arder. O Homem quando tem objetivo fixo e declarado é mesmo assim, e acaba não se importando com as adversidades, e os obstáculos, ou mesmo que se importe, supera-os, na maioria das vezes, dependendo, é claro, como eu disse, do nível de fixação pela meta, porque mesmo que a meta seja resultado de uma reflexão racional, é o sentimento que essa reflexão causa na pessoa que a movimenta, e faz com que ela tenha tesão de ir até o final, mesmo com o rosto arranhado e suado, e também com a roupa que fora, por tanto tempo, tão estimada, toda rasgada, assim como aqui, neste nosso caso, ela de fato estava; a camisa e um pedaço da calça. Conclusão: ele subiu no topo da montanha, depois de várias horas de escalada, e de muito medo e vertigem, provenientes, é claro, da estúpida altura em que se encontrava. A grande questão é que quando finalmente conseguiu chegar ao topo, olhou lá de cima, quase nas nuvens, para todos e todas aqui em baixo, miudinhos como formiguinhas caçando açúcar, respirou fundo aquele ar que é mais puro lá em cima, limpou aquela água fisiológica da testa com as costas da mão, soltou todo o ar, como se assoprasse quarenta velinhas no seu último aniversário, e, então, pensou consigo mesmo: “puta que pariu, como é que eu vou descer daqui, agora?”.

sábado, 1 de novembro de 2008

Fina Chuva

imagem: Jean Saudek

Notas pré-texto: Este texto não vale a pena ser lido. Mas se o fizer, o faça concentrado(a) e sem música. A não ser que você tenha "All Right", do CD "Med sud I eyrum vid spilum endalaust" do Sigur Rós.

Quantos homens, dentre todos os homens, podem dizer que todo dia quando acordam, beijam a mulher mais bela do mundo? Sinceramente, não sei. Mas quantos homens perdidamente apaixonados existem neste planeta? Quantos deles acordam todo dia ao lado de suas mulheres e as beijam? Provavelmente a resposta é algo em torno disto...

Nos primeiros cinco minutos, da quinta hora, daquela quinta-feira, ele acordou, mas ela ainda dormia. Chovia fininho lá fora, o céu estava cinza, sem distinção entre nuvens e espaço. O vidro da janela à direita da cama estalava levemente com os pingos inconstantes que ali batiam. Não havia ruídos de automóveis, zumbidos de pessoas, ou pássaros cantando. Era só o vento, e a chuva cavando a terra, molhando a grama, hidratando as pedras. Olhou pra ela e alisou seu rosto macio, seus cabelos longos e negros, que cobriam as costas brancas e aveludadas, desenhando caminhos, e exalando o melhor cheiro do mundo, que qualquer um sabe, é o cheiro dos cabelos da mulher que se ama, quando acorda. Ficou lembrando-se de quando foram para a velha casa de praia dos seus avôs; era inverno, e num raio de dois quilômetros só havia areia, água e gaivotas. Os dois estavam deitados em um velho bote, depois da arrebentação, debaixo da chuva fina que também caía aquele dia. Ficavam misturados, ela sobre ele, os dois virados para cima, olhando o céu cinza, igual ao dessa manhã de quinta. Ela envolvida em seus braços, os braços dele recheados por ela. A questão é que ambos tentavam ser um só, uma mesma matéria, um dentro do outro. O bote balançava com o movimento leve da água, como um berço, e eles adormeceram. Quando acordaram já era noite, com o bote na areia, trazido pela água, sabe-se lá como. Caminharam de mãos dadas até perto do casebre, ele ascendeu uma fogueira, ela pegou um vinho. Depois daquilo, a idéia de separarem-se um dia, nunca mais passou por suas cabeças. Levantou-se da cama, foi até a janela que ainda estalava com a fina chuva, olhou para as árvores que balançavam como uma dança, e mergulhou em mais lembranças. Houve uma vez em que caminhou debaixo de um temporal, sem camisa, só de botas e calça jeans. Chegou à praça em que se conheceram, totalmente ensopado e lá ficou, sentado no banquinho verde, de cabeça abaixa. Ela chegou descalça, com um vestido fino de algodão, igualmente molhada, com os cabelos grudados ao corpo, sentou do seu lado, e não disse nada. Cruzou seu braço com o dele, segurando sua mão, e deitou a cabeça em seu ombro. Nenhum dos dois conseguia distinguir as lágrimas, das gotas de chuva, mas o choro era cúmplice, e era único. Haviam brigado por algum motivo, mas naquela quinta, olhando através da janela às arvores da mesma praça chacoalharem, não se lembrava da briga, mas sim daquele momento, sem dúvida alguma, inesquecível. Caminhou até a estante, com diversas fotos deles, e não pode deixar de reparar naquela de moldura transparente, na qual os dois estavam elegantes, com casacos grossos, escuros, cabelos hidratados, peles iridescentes. Adentravam um belo e aconchegante restaurante feito de madeira, com retratos e cartões presos às paredes. Foi do dia em que viajaram à Europa, e abortaram todos os planos antes estabelecidos, simplesmente porque descobriram um antigo vilarejo em Berna, com casas pequeninas e quentinhas, com pequenas lareiras e neve na janela, onde havia um mercadinho próximo, um pequeno restaurante, e alguns parques agradáveis para sentarem juntos. Até hoje o nome deles está talhado na madeira entre o lavabo e a cozinha, no meio de um coraçãozinho, atravessado por uma flecha. Não conheceram Paris. Limpou a poeirinha do porta-retratos, olhou, novamente, para ela, caminhou até seu lado da cama, ajoelhou, segurou suas mãos, abaixou a cabeça sobre elas e chorou um pouco. Dessa vez ele se lembrou do que nunca conseguiu esquecer. Sabia que aquele momento iria chegar, e que já estava bem próximo. Checou o pulso de sua amada com delicadeza, colocou o ouvido no lado esquerdo do peito, sentiu a temperatura fria de seu corpo... Contraiu os lábios como jamais tinha feito, tentando fazê-los parar de tremer, tentando conter as lágrimas que saiam de seus olhos, como gotas de chumbo. Foi ao banheiro, tomou a solução que já havia preparado, deitou-se ao lado dela novamente, cobriu ambos os corpos com aquele que era o melhor edredom, o preferido, e abraçou-a com muito apreço e intensidade. Fechou os olhos, relaxou e voltou a dormir. E dormiram os dois, abraçados, entrelaçados, como havia sido no dia do barco na casa de praia, e como foram todos os dias em que estiveram juntos, ao deitarem-se. Ele, e a mulher mais bela do mundo.

 
Olhando Pra Grama