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domingo, 28 de dezembro de 2008

João e o Pé de Fujão

Já eram umas nove e meia da noite, quando João, que estava sentado a sua pequena mesa de trabalho, no canto direito da sala de estar de sua casa, desgrudou abruptamente os olhos do livro, esbugalhando-os, e olhando fixa e absortamente para sua frente. Palidez. Tudo mudou, e ele sabia disso. Acabara de descobrir que no dicionário da língua portuguesa existe uma palavra, um verbo na verdade, especialmente criado para designar “o ato de jogar algo ou alguém pela janela, ou varanda”. “Defenestrar!”, dizia ele, incessantemente, perambulando pela casa com os dedos longos garfando os cabelos quase lisos, e, certamente, bem escuros.

Na manhã seguinte, João e seu pijama listrado suavam frios debaixo das cobertas. O despertador já o havia alertado sobre o possível atraso para suas funções na repartição, mas João não conseguia levantar-se; tinha medo! Com muito esforço, e munido de uma faca militar herdada de seu avô, o homem se lavou, escovou seus dentes, empurrou duas coxinhas de frango para dentro, na padaria da esquina do trabalho, e enfim chegou ao escritório. A mais gordinha abaixo da janela folheava papéis com os óculos no meio do nariz, o parrudo de gravata marrom sorvia o restinho de café, no fundo do copinho de plástico branco, a baixinha passava a vassoura no carpete em frente ao gabinete, e foi justamente pra lá que ele foi, imediatamente – para o gabinete. Com os olhos arregalados, olhou para um lado, depois para o outro, deslizou sua maleta sobre a mesa, esbarrando sem querer no copo com água, e sentou-se, cruzando os braços sobre ela.

- João! João! Venha aqui um pouquinho, estou precisando de sua ajuda! – Disse alguém lá do outro lado da sala, fora do gabinete. Não queria, mas caminhou, embora não sem cuidados, na direção da voz, olhando para todos os lados, passo atrás de passo, tentando manter a calma, munido apenas de um pequeno livrinho.

- João! Ora João! Não me vá dizer que esqueceu os papeis do arquivo morto, novamente?! – Disse o gordo irritado no caminho.

- João! Ai, João, meu Deus! Será que você ainda não carimbou as vias da Dona Célia?! – Esbravejou a gorda de terno antigo.

- Oh seu João! Presta atenção! Nós é da faxina, mas é gente! Já limpei sua mesa e o senhô suja em seguida?! – gritou a moça que limpava o chão.

João olhou para trás e, com feição assustada, flagrou cada um que o espetava com seus cenhos franzidos. Viu-se cercado, começou a caminhar lentamente para trás, tentando com as mãos afastar as coisas que, sem querer, batia, ao andar em marcha contrária, porém sem tirar os olhos dos colegas de trabalho, nervosos com sua pessoa. Era uma claustrofobia. Começou a sentir-se sufocado, agoniado, desesperado, quase chorava, e continuava a andar para trás, quando então, finalmente, topou com a voz que o havia chamado para o canto da sala, de fora do gabinete, pedindo sua ajuda:

- João! Me ajude! Mas que droga é essa que você escreveu aqui, em?! Você quer que eu morra ou que eu te mate, em João?! Me diz, João! Em?!

Era a quarta agressão, e talvez por isso não tenha dado outra: João soltou seu mais profundo grito, retido depois de todo o desespero, olhou para seus colegas de trabalho, que continuavam a espetá-lo com seus olhares, aproximou-se da janela grande que clareava o chão, e disse:

- Defenestra-los-ia, certamente! Se já não fosse tarde!

Os pedestres fizeram roda, o gari limpou a rua, o jornalista tirou foto, houve alguns minutos de silêncio, meia lágrima pisada aqui, uma fungada discreta acolá, e então voltaram todos ao trabalho, com um a menos na equipe. O que sobrou de tudo isso ficou na calçada: um dicionário da pátria língua, subtraído da letra “D”.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Solidão Consentida


Às vezes, no Orkut, olho o perfil de uma pessoa que nunca vi na vida, saio dele, e nunca mais o vejo. O que sobra é a sensação de que deixei escapar uma experiência ímpar com alguém, e que essa pessoa não teria como saber disso, nem se eu tentasse convencê-la do mesmo. Às vezes paro e penso, também, que à minha volta, por dia, passam dezenas, centenas, ou até milhares de pessoas, com diferentes personalidades, histórias, e momentos de vida. Isso inclui onde meu olhar alcança e também onde não alcança. Pessoas que guardam uma infinidade de destinos diferentes para minha vida, e para a vida delas, se ao menos um de nós se arriscasse a dizer “oi”. Mas nós passamos em fluxo, isolados pelos pensamentos, pelo som do MP3 player, e pelas convenções sociais que nos tiram o direito de abordar e ser abordado, sem algum motivo aparente. Isso quando não acontece o pior: por elas – as convenções -, somos mutilados durante toda a vida, até que chega o dia em que não abordamos as pessoas, mas não por meras regras de etiqueta, ou qualquer lídima defesa, mas pela mais pura e sincera falta de interesse no outro. Por essas e outras, tenho dificuldade de enxergar a possibilidade de viver uma vida, por vinte ou trinta anos, sem a presença dos cigarros de filtro vermelho, do álcool em copos de 360 ml, e das locadoras de bairro, nas sextas-feiras à noite.

 
Olhando Pra Grama