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domingo, 26 de julho de 2009

Uma Questão de Motivo


Edward Hopper

Em São Paulo há um pequeno apartamento escuro, de frente para o elevado Costa e Silva, onde vive um saxofonista de descendência libanesa, mas sem laços com a cultura. O dia inteiro ele dorme, acorda às sete e pouco da noite, toma um café fraco, e fuma alguns cigarros de filtro vermelho, sentado no chão de azulejo da cozinha, olhando para os pés enferrujados da velha máquina de lavar. Normalmente, durante a semana, veste suas roupas e óculos escuros, pega o sax e vai para um dos quatro bares em que usualmente toca. Cada noite uma banda, e nada de trabalho autoral. Voltando pra casa passa na padaria, compra dois pães franceses, uns frios e manteiga, pra então ficar sentado no sofá da sua sala escura, comendo os sanduíches e bebendo cervejas de garrafa. O nome dele eu não sei, mas ele não acredita em felicidade ou satisfação, e não está muito interessado na vida. Não tem ninguém, nem deseja ter. Só está esperando, sabe-se lá o que.

Na última semana ele não saiu de casa. Estava mais pra baixo do que o comum. Não foi trabalhar e também não comeu nada. Dentro da cabeça dele moram e movimentam-se intensos e numerosos pensamentos, e, pelo seu corpo, diversas sensações ocorrem nesse processo. Esse ostracismo intensificado começou na segunda-feira, e quando já batiam as dez e meia do domingo, ele, que estava sentado ao pé do sofá, de corpo mole e cabeça baixa, olhou para frente, fitou a parede branca e descascada, como quem tem um insight.

Não deixou nada escrito, não ligou pra ninguém. Ele nem tinha um telefone. Só subiu no parapeito da janela, sentou-se e ficou observando o elevado já vazio. Passou um mendigo no tal viaduto, parou de frente e perguntou a uns cinco metros:

- Ta fazendo o que aí?!

O saxofonista olhou-o desanimado e, com muita simplicidade, pulou da janela.

Ângela, admiradora secreta do músico, freqüentadora do jazz na Rua Augusta, foi a única a se manifestar sobre o suicídio. O policial perguntou se ela sabia o motivo do acontecido. Ângela, secando as lágrimas do rosto, apenas olhou para o céu e, sem saber ao certo para quem, perguntou:

- E quando acontece isso? Não há alguma coisa errada? Se a vida fica tão ruim, a ponto de se perder o interesse em continuar, o que é que se pode fazer a respeito? Acho que ele estava no direito dele. Tirando o amor, e os desejos, o que há mais pra se fazer nessa vida? Se a pessoa desistiu do amor? E se a pessoa não tem mais desejos? E se a pessoa simplesmente ta cansada?

O policial abraçou Ângela, que chorou em seu ombro. Na semana seguinte, domingo às dez e meia, ela também pulou da sacada.


4 comentários:

Causas Perdidas, Corações Partidos disse...

Vim retribuir a visita, e me deparo com um texto lindo, questionador, e muito bem escrito. Adorei mesmo.

Parabéns, Moço!

Voltarei mais vezes :}

Insigne disse...

mto booom!
eu sempre penso que a se alguem q mora ali do lado do elevado se mata, é pq mora ali do lado do elevado...
um ponte na sua janela, deve dar alguma depressão...

Adriana de Castro disse...

adoooorei seu blog, muito bom mesmo,estou encantada, você escreve bem demais, obrigada pelo comentario, é uma honra pra mim, vindo de alguem que escreve tão bem, beijos

*Raíssa disse...

Mais um xcelente texto, daqueles que te fazem pensar e refletir sobre a vida. Quem sabe Ângela e o saxofonista não se dariam bem juntos?

Beijos!

 
Olhando Pra Grama