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domingo, 26 de julho de 2009

Um Copo com Água


The Lovers - René Magritte

Isso foi no sofá da sala. Eu estava desatento ao mundo exterior, pois, concentrado, lia um livro sobre cinema. Já ele estava lá, desprotegido, sem pano algum por sobre: O meu pescoço. Ela, que nunca me tocava, que só fazia carinho com as palavras, que era sempre indiferente a qualquer investida física, naquele momento resolveu se aproximar sem dizer nada, invadir com os lábios meu espaço pessoal, e, então, tocar-me a nuca com a boca em forma de beijo. Meus olhos fecharam contraídos, com pretensões de não mais abrirem, numa tentativa de sentir pra sempre o que, naquele instante, o corpo experimentava. A imagem que se formava tinha algo de místico, e era extremamente simbólica: Um grande copo translúcido, cheio de água, e no meio, imerso no líquido, uma única gota de óleo, que ali ficava, mas que não se misturava. Ninguém deveria nascer com o poder de nos fazer sentir menores, inaptos, ou não merecedores. Mas em se tratando das leis da natureza, infelizmente, não há democracia.

Após a momentânea paralisia, em fragmento de segundo o corpo relaxou, e, também em fragmento, energizou-se numa mistura de sexo e melancolia. A boca que é a minha deslizou para onde permanecia a dela; estabeleceu contato, trocou temperatura, e parou por todo esse instante. Os lábios não precisam mover-se para haver um beijo. Eles apenas mantinham-se encostados, delicadamente selados, e por sobre os mesmos, sentíamos a leve brisa da respiração um do outro, misturando-se, desempenhando ali o papel dos nossos olhos fechados, e de nossas mãos estáticas. Os corpos concordavam, e isso era certo: O beijo acontecia, não precisava de movimento, pois a contemplação é coisa que em certo grau já basta. Mas as mãos então moveram-se, os olhos apertaram-se mais, os corpos mergulharam no sentido um do outro, e as bocas, finalmente, executaram-se.

Isso foi na cama do quarto. Eu estava esbaforido, desatento ao mundo exterior. Acabara de voltar de um sonho tão real, que fui à janela e chorei por um tempo. A chuva movimentava o asfalto lá em baixo, e a única imagem realmente verdadeira em minha falta de otimismo era a do copo com água e óleo, que se aproximam, porém jamais se misturam.



2 comentários:

Cyndy disse...

Adorei.

*Raíssa disse...

Maravilhoso esse texto! Estou sem palavras! Você deveria mandá-lo para algum concurso :)

Beijos!

 
Olhando Pra Grama