Edward Hopper
Em São Paulo há um pequeno apartamento escuro, de frente para o elevado Costa e Silva, onde vive um saxofonista de descendência libanesa, mas sem laços com a cultura. O dia inteiro ele dorme, acorda às sete e pouco da noite, toma um café fraco, e fuma alguns cigarros de filtro vermelho, sentado no chão de azulejo da cozinha, olhando para os pés enferrujados da velha máquina de lavar. Normalmente, durante a semana, veste suas roupas e óculos escuros, pega o sax e vai para um dos quatro bares em que usualmente toca. Cada noite uma banda, e nada de trabalho autoral. Voltando pra casa passa na padaria, compra dois pães franceses, uns frios e manteiga, pra então ficar sentado no sofá da sua sala escura, comendo os sanduíches e bebendo cervejas de garrafa. O nome dele eu não sei, mas ele não acredita em felicidade ou satisfação, e não está muito interessado na vida. Não tem ninguém, nem deseja ter. Só está esperando, sabe-se lá o que.
Na última semana ele não saiu de casa. Estava mais pra baixo do que o comum. Não foi trabalhar e também não comeu nada. Dentro da cabeça dele moram e movimentam-se intensos e numerosos pensamentos, e, pelo seu corpo, diversas sensações ocorrem nesse processo. Esse ostracismo intensificado começou na segunda-feira, e quando já batiam as dez e meia do domingo, ele, que estava sentado ao pé do sofá, de corpo mole e cabeça baixa, olhou para frente, fitou a parede branca e descascada, como quem tem um insight.
Não deixou nada escrito, não ligou pra ninguém. Ele nem tinha um telefone. Só subiu no parapeito da janela, sentou-se e ficou observando o elevado já vazio. Passou um mendigo no tal viaduto, parou de frente e perguntou a uns cinco metros:
- Ta fazendo o que aí?!
O saxofonista olhou-o desanimado e, com muita simplicidade, pulou da janela.
Ângela, admiradora secreta do músico, freqüentadora do jazz na Rua Augusta, foi a única a se manifestar sobre o suicídio. O policial perguntou se ela sabia o motivo do acontecido. Ângela, secando as lágrimas do rosto, apenas olhou para o céu e, sem saber ao certo para quem, perguntou:
- E quando acontece isso? Não há alguma coisa errada? Se a vida fica tão ruim, a ponto de se perder o interesse em continuar, o que é que se pode fazer a respeito? Acho que ele estava no direito dele. Tirando o amor, e os desejos, o que há mais pra se fazer nessa vida? Se a pessoa desistiu do amor? E se a pessoa não tem mais desejos? E se a pessoa simplesmente ta cansada?
O policial abraçou Ângela, que chorou em seu ombro. Na semana seguinte, domingo às dez e meia, ela também pulou da sacada.
4 comentários:
Vim retribuir a visita, e me deparo com um texto lindo, questionador, e muito bem escrito. Adorei mesmo.
Parabéns, Moço!
Voltarei mais vezes :}
mto booom!
eu sempre penso que a se alguem q mora ali do lado do elevado se mata, é pq mora ali do lado do elevado...
um ponte na sua janela, deve dar alguma depressão...
adoooorei seu blog, muito bom mesmo,estou encantada, você escreve bem demais, obrigada pelo comentario, é uma honra pra mim, vindo de alguem que escreve tão bem, beijos
Mais um xcelente texto, daqueles que te fazem pensar e refletir sobre a vida. Quem sabe Ângela e o saxofonista não se dariam bem juntos?
Beijos!
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