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sábado, 30 de agosto de 2008

Um Texto para pôr no Blog.


imagem: Office in a Small City - Edward Hooper


Ilmo Amigo Espelho,

Estive pensando a respeito das necessidades diversas, como as fisiológicas, as psicológicas, as espirituais, as neuróticas em geral, e cheguei a algumas conclusões. Sempre que chego do trabalho, sinto a incrível necessidade de re-configurar meu dia, de modo que nunca o hoje pareça com o ontem, ou de modo que, pelo menos, não me dê a impressão de que será igual, ou por demais parecido. Isto tem se tornado uma espécie de “objetivo de vida diário”, onde buscar a diferenciação de um dia para o outro, é a grande meta, fazendo, assim, com que, sempre que eu pensar na vida, relembrando meus dias anteriores, sejam os anos, seja somente a semana passada, eu lembre de um dia de cada jeito, com sua própria história, face e personalidade, um dia de cada cor: segunda azul, terça laranja, quarta verde, e por aí vai, ainda que se repita a matiz, porém mudando, ao menos, a tonalidade. Piso em casa e começo a fazer os planos; os principais instrumentos materiais que utilizo são a carteira com os cartões de débito, crédito, refeição, locadora, livraria, cinema, e etc, bem como a agenda de telefones, com algumas possibilidades de boa companhia para aventurar-se na cidade, que é como o universo, sempre em expansão, sempre um mistério, sempre com novos planetas, estrelas, galáxias e, infelizmente, também, buracos negros. Ontem quando realizei um de meus rituais favoritos – fui à locadora, demorei cerca de 18 minutos para escolher cada filme, lendo a sinopse, o diretor, o elenco, o ano, o formato, e por aí vai; escolhi três. Em seguida fui, a pé, ao mercado, com os DVDs nas mãos, escolhi algumas long necks da minha cerveja preferida, alguns petiscos que me pareciam apetitosos para o dia, olhei o rosto das pessoas, os carrinhos, a nojeira que é a carne crua na vitrine do açougue, passei o cartão, digitei a senha, olhando pra um lado e pro outro, discretamente, para ver se não havia nenhum bem intencionado de olho nos meus dígitos, dei aquele sorrisinho para a caixa, peguei minha notinha, ensaquei o tesouro, fui andando pra casa, escutando música, olhando os carros, subi de elevador olhando meus braços no espelho, só pra ver se a academia está fazendo efeito, cheguei em casa, e dei seqüência ao ritual de consumo do, tão meticulosamente, escolhido, nos centros comerciais mais próximos -, foi então quando surgiu para mim o pensamento, de que toda aquele sentimento maravilhoso, se proporcionado tão freqüentemente, poderia cair no tédio da rotina e perder a graça, sendo isso muito arriscado, pois o prazer de degustar a comida, a bebida, o roteiro, a atuação, a direção, as pernas em cima da mesinha de centro, e a sensação de rir embriagado, de piadas feitas por Woody Allen, bem na sala da minha casa, não é o tipo de prazer dispensável. Foi então que, pensando nisto, resolvi assumir o papel de ficar entediado, muito entediado, deitado na cama do quarto, pensando em dias melhores. O problema é que não consegui fazê-lo, pois, ao meu lado, na mesa do computador, havia um livro muito do interessante, de um sujeito que, às vezes, me deixa meio admirado, chamado José Saramargo, e foi então que comecei a ler a tal da obra, o tal do Ensaio Sobre a Cegueira, e ai já era; meu plano de ficar entediado foi por água a baixo. Ter o livro do homem ao lado da cama é, de certa forma, dormir de conchinha com o cara, entende? Não pela pederastia, mas pela intimidade, é claro. Longe de estar resignado, hoje, ainda à mesa do trabalho, olhei com os olhos semi serrados para a parede branca e pensei: Ao chegar em casa, não aproveito o dia, nem que a vaca tussa, nem que meu telefone toque, com um puta de um camarada do outro lado da linha, me chamando para o bar mais legal de São Paulo. Infelizmente o telefone tocou, e era mesmo um puta camarada meu. O bar não era o mais legal de São Paulo, mas havia umas cervejas importadas no cardápio, que só não valeu mais a pena do que as risadas que demos durante o processo de degustação das mesmas, enquanto fazíamos planos, piadas, poesias, paródias, ou seja, um prazeroso papo–furado. Agora que estou aqui em casa, frente à tela deste lindo e divertido computador, escrevendo, pra você, uma meia dúzia de palavras, decidi que vou abandonar, ao menos temporariamente, esse objetivo novo, essa idéia fixa de ficar entediado. Sabe, meu amigo, são esses livros, esses filmes, essa internet, esse mercado, essa coisa latente dentro de mim, que me faz querer fazer as coisas, me levanta da cadeira e me joga na rua, e que quando não consegue fazer isso – me jogar na rua -, fica observando-me enquanto estou deitado na cama, com o semblante triste, meio caído, meio depressivo, chateado por não ter feito nada, chateado, de verdade, por estar assim: incrivelmente entediado.

17 comentários:

*Raíssa disse...

Eu sempre demoro para escolher filmes na lacadora, até pela da internet. Mais que 18 minutos, até. São muitos filmes pra ver! Fico na dúvida de quais alugar e no final acabo descartando algunas que quero ver menos. Na minha faculdade, tem vários filmes na biblioteca que posso pegar. Estou me fazendo lá! hehe Toda semana eu pego alguns.

Às vezes, fico entendiada quando faço algo que não estou comvontade de fazer, tipo trabalhos de estatística da faculdade. Deixam-me entediada e com preguiça de fazê-los.

"Ter o livro do homem ao lado da cama é, de certa forma, dormir de conchinha com o cara, entende?"
Essa foi nova, adorei!

Beijos!

Anônimo disse...

Que mágico esse mundo das letrinhas! Como vc consegue coroar a mais trivial rotina com uma aura de brilho e charme!É.. e o Saramago é fodão mesmo. Também não sobrevivo sem essas "coisinhas" que vc citou aí.
bjs
Puella

gisellepitty disse...

Olha que coincidência: Estou na metade do livro...e estou adorando! Já li o "Ensaio sobre a Lucidez" - que é ótimo tbm.

Sabe que as vezes eu adoro mergulhar no meu tédio...consigo sentir até uma doçura nisso...pode?

Então, sobre aquele assunto: Não consegui chegar a conclusão nenhuma, só me lembro da sensação de que algo mágico e inexplicável estava me acontecendo...o que eu fiz foi...deixar rolar. Mas de certa forma foi uma espécie de "alerta". Tipo: - Oi, eu sou o seu corpo! Preste atenção em mim e olhe o que você está fazendo comigo...sou eu quem te levo à onde você quer chegar. Cuida de mim, por favor.

Ah é, o poema...bem, o poema.
De vez enquando me acontecem "lapsos de inspiração bruta" pra escrever, apesar de não ser esse o meu estilo...minha linguagem geralmente é bem popular, mas, de vez enquando vem brotando essas idéias na cabeça, e nada melhor do que umas horas de ócio, uma caneta e um caderno na mão...aiai, já falei demais.

Por hora, feliz por vc ter lido meu poeminha e sobre a minha "viagem transcedental" digamos assim...rsrs.

Beijos.

Tatah Marley's Confissões disse...

Ahh, respeito muito sua opiniao !
x)
E acho que esse foi o objetivo né, criar um misto de idéias a respeito do assunto..
No mais, sobre seu post, simplesmente adorei!
Amigo do espelho, boa..
e eu sou um pouco parecida em termos de buscar sempre inovações no meu dia sabe, nao viver por viver..
Tédio é um saco, e faz a vida passar sem aproveitarmos da maneira como deveriamos né..
Enfim!
Otimo post!
e tem post novo lá tbm!
;*

Amanda Marques disse...

Eu estou assim: incrivelmente entediada e bem mau humorada.
parece que nada mais tem graça..
isso não é legal! =//
.. mas como tudo na vida, isso logo passa!

;DD

Natália Mylonas disse...

Adoreii a parte do conchinha com o autor.

As portas 'lá em casa' estão abertas . Se quiser, passe lá .
Será bem vinda . ;)

Bjs =)

Camila disse...

Chega de tédio manda ele embora! hahahahhahah
Da um soco no tédio!


Ve lá o final da história ve beijãoo

Luifel disse...

Cara, realmente foi um dos melhores posts q eu ja li.

Eu estou precisando aprender realmente a dar matizes para os meus dias, eles andam apenas na cinzenta.

Quanto a lutar contra o tédio, é uma luta que estou travando quase q sempre.

Abção!

Lorena disse...

Se fizéssemos tudo aquilo que gostamos sempre, tudo se tornaria chato e o prazer estaria em fazer exatamente o que a gente nunca gostou ou nunca experimentou.
Não gosto de filmes, com raras exceções de alguns dramas. Sou louca pra ler Ensaio sobre a Cegueira (que por acaso virou filme), mas as tarefas do colégio não permitem e, no mais, tenho outros tantos pra acabar de ler.
Parabéns pelo post, muito boa a escrita.

Lorena disse...

A propósito, ao olhar seu perfil vi igor_trojan... Procurei no orkut e vi que é amigo do Gustavo. Estou te favoritando ;*

Anônimo disse...

nhaa... que coisa familiar... pior...o pior (ou melhor?) é que eu amo essa minha vida q levo...de livros na cabeceira... ligações descompromissadas, filmes interessantes, musica massa...sossego... amo tanto pq sei q um dia vou sentir muita falta desse "tedio" proposital...

adoro vir aki!!!

bjoks

Anônimo disse...

Qto tempo Sr. Lessa!!
Vejo q seu blog continua inconfundível...Queria te levar em um lugar no sábado acho q vc nunca foi...topas?? È pertinho da sua casa!!
Beijos e ve se retorna minhas ligações...

Sra. Vedder

Giu! disse...

Gosto do seu estilo e do seu olhar das coisas.

Amanda Marques disse...

sumiu hein ?
=/

Fraturas Expostas disse...

oi igor!

nossa, que texto legal...isso é o que podemos chamar de qualidade.

putz eu tava aqui pensando enqto eu lia...meu Deus, como sou preguiçosa!!!

tava me deixando levar pelo tédio, por pura preguiça!
Mas eu até tenho espairecido um pouco dele, tenho produzido bastante até...dá uma passada lá no "fraturas", tem umas coisas legais por lá, aquelas verborragias de costume...rs

beijo!

DaniCabrera disse...

Presente pra vc Igor.
Lá no meu BLOG.

Beijos! : )

Sujeito Oculto disse...

Altamente neurótico!

 
Olhando Pra Grama