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segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Sobre o que o está escrito abaixo.

Dois tapinhas com a palma do indicador no microfone: “Testando...”. Após o som agudo da microfonia, olhou por sobre o púlpito a ficha retangular com linhas azuis, cheia de anotações. Sempre faz uma para não esquecer nada na hora de falar, mas, quando vê o público à sua frente, não lembra para o que serve aquilo e diz tudo do jeito que vem à cabeça:

“Pego como exemplo, hoje, a poeira. A poeira, senhores, tem em sua natureza mais básica a qualidade de ser efêmera. Ela chega à sua casa, repousa sobre o chão ou os móveis, até que você a sopre ou espane, ou até que o vento mostre a ela outro lugar para ir. No entanto, senhores, a poeira só é efêmera nos lugares onde nós, os homens, somos fixos. À medida em que largamos nosso porto, a poeira se instala e, além de não ir embora, chama suas companheiras para mostrar que ali, onde está agora, é um lugar bom para ficar, se acomodar e descansar após uma vida tão fluxível e imprevisível – a vida de uma poeira. Vejam, senhores, que, se por algum acaso, em um outro momento distante, resolvemos voltar ao nosso porto, pensando em talvez fixarmo-nos por ali novamente, esse porto já não é mais nosso; ele é da poeira, agora grossa, densa e fixa como nós mesmos. E então, senhores, é nesse ponto em que o bom observador constata uma nova e fundamental dúvida: ficar é para nós, ou para a poeira?”

Trezentos espectadores sentados, com seus óculos redondos refletindo a expressão do palestrante que concluíra seu discurso. Ele olha para todos ali imóveis, indecifráveis, mas perceptivelmente de acordo com suas palavras. Então retira seus óculos também redondos com a mão esquerda, observando a platéia fazer o mesmo. Quando pisca os olhos, eles aplaudem em estrondoso uníssono, despertando-o abruptamente de seu sono no ônibus para o trabalho. Seu colega ao lado pergunta: “Está tudo bem, cara?”. E se recompondo, ele responde: “Estou bem, obrigado... Mas acho que tive um insight.”.
 
Olhando Pra Grama