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terça-feira, 28 de julho de 2009

Ele é O Cara


Edward Hopper

Em homenagem ao fim, fumava um cigarro. Ele dizia que o bom em se iludir com alguém, é que justamente da ilusão a gente identifica o que dentro de nós está faltando. Daí, pra correr atrás e resolver a questão interna é um passo. Puta otimista, o cara. Ele dizia também que a única certeza na vida é a morte, e que a única certeza no amor, é o fim. Então, quando um romance acabava, ao invés de ficar triste, o sujeito já ficava logo ansioso pelo próximo, pra saber como seria, o que iria sentir, pensar e aprender. Puta pra-frente, o cara... Na época em que eu estava terminando com a Renata, encontrava com ele toda terça de manhã na padaria do Aluízio. Sempre lá no último banco do balcão: pãozinho com manteiga na chapa, cafezinho com leite no copo americano, boininha marrom enterrada na cabeça... Eu dava bom dia, ele olhava pra mim, sorria, e acenando dizia: “Bom dia é pouco! Hoje o dia vai ser ótimo!”. Amareladamente eu sorria de volta. Depois de comer, ele fumava um cigarrinho, cumprimentava o Aluízio, passava por trás de mim, dando uns tapinhas amistosos nas minhas costas, e na porta da padaria, vestia o casaquinho xadrez, dava uma espreguiçada, montava na bicicleta e ia embora assoviando uma música do Chico Buarque. E por falar em Renata, hoje completariam três meses sem vê-la, se eu não tivesse decidido parar pra tomar um café na padaria do Aluízio. Estavam lá os dois, Renata e o prafrentex, comendo pãozinho na chapa, tomando cafezinho com leite no copo americano. Rapidinho entendi tudo. Puta babaca, o cara.

P.S.: Roubei a bicicleta.


segunda-feira, 27 de julho de 2009

Vamos Falar de Ricardo


É óbvio que Ricardo, professor de matemática num pequeno colégio de Caxias, no Rio de Janeiro, não se surpreendeu ao chegar a sua rua e deparar-se com um enorme elefante cor de rosa em seu quintal. O mundo e suas situações estão subjugados ao crivo da lógica e, certamente, alguém o colocou ali por algum motivo – um gracejo de mau gosto, talvez. Ignorou a presença do animal, alcançou o molho de chaves no bolso do agasalho e adentrou sua sala de estar metodicamente organizada, e bastante limpa na maior parte do tempo. Dispôs sua maleta e casaco sobre o sofá e dirigiu-se ao banheiro para um prazeroso banho quente. Tirou suas roupas e abriu o chuveiro que, ao invés de água, choveu suco de caju. Chateou-se, pois, além de não poder assear-se, o suco estava sem açúcar. Claro! – ele pensou – O brilhante sujeito mentor dessa anedota, pôs somente o pó do suco na caixa d´água, nem tendo pensado na questão do adoçamento. Ricardo secou-se com a toalha, ou com o que sobrou dela, pois ao estendê-la reparou que havia um recorte, formando a silueta de um palhaço de circo. “Mal feito!” – Julgou Ricardo, que certamente faria melhor. Caminhou até a cozinha, passou manteiga dos dois lados do pão e, ao pegar a mortadela, a mesma comentou em alto e bom som, pressentindo o doloroso corte: “Vê lá, Ricardo! Não vá me machucar! Você só pensa em você, é?!”. Ele mesmo nem ligou e cortou-a, ignorando seus gritos. “Comida é pra comer, oras!”, disse, depois de um longo arroto de satisfação. Na sala ligou a TV, e agarrou-a assim que ela tentou fugir pela janela. Tirou-a da tomada, pois é lógico que sem energia, ninguém dá conta de sair correndo. Ricardo já estava deitado quando o telefone tocou. Na linha, sua namorada em firme tom, dizia: “Ricardo, não te quero mais. Você não se abre. Não demonstra seus sentimentos, homem!”. Ao desligar, Ricardo chorou. E, em seguida, chorou novamente, mas da segunda vez por pura raiva, afinal não há sentido em sofrer por alguém. Decidido, nunca mais procurou uma namorada, e quando indagado a respeito do amor, Ricardo diz: “Prefiro mortadela.”.


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Há um vídeo meu no Festival do Minuto.
Quem quiser ver e votar, basta ir lá e buscá-lo.
Chama-se "Sobre a Saudade".
[ http://www.festivaldominuto.com.br ]


Acho que isso é um link pro vídeo:
http://www.festivaldominuto.com.br/templates/Player.aspx?contentId=8045

domingo, 26 de julho de 2009

Uma Questão de Motivo


Edward Hopper

Em São Paulo há um pequeno apartamento escuro, de frente para o elevado Costa e Silva, onde vive um saxofonista de descendência libanesa, mas sem laços com a cultura. O dia inteiro ele dorme, acorda às sete e pouco da noite, toma um café fraco, e fuma alguns cigarros de filtro vermelho, sentado no chão de azulejo da cozinha, olhando para os pés enferrujados da velha máquina de lavar. Normalmente, durante a semana, veste suas roupas e óculos escuros, pega o sax e vai para um dos quatro bares em que usualmente toca. Cada noite uma banda, e nada de trabalho autoral. Voltando pra casa passa na padaria, compra dois pães franceses, uns frios e manteiga, pra então ficar sentado no sofá da sua sala escura, comendo os sanduíches e bebendo cervejas de garrafa. O nome dele eu não sei, mas ele não acredita em felicidade ou satisfação, e não está muito interessado na vida. Não tem ninguém, nem deseja ter. Só está esperando, sabe-se lá o que.

Na última semana ele não saiu de casa. Estava mais pra baixo do que o comum. Não foi trabalhar e também não comeu nada. Dentro da cabeça dele moram e movimentam-se intensos e numerosos pensamentos, e, pelo seu corpo, diversas sensações ocorrem nesse processo. Esse ostracismo intensificado começou na segunda-feira, e quando já batiam as dez e meia do domingo, ele, que estava sentado ao pé do sofá, de corpo mole e cabeça baixa, olhou para frente, fitou a parede branca e descascada, como quem tem um insight.

Não deixou nada escrito, não ligou pra ninguém. Ele nem tinha um telefone. Só subiu no parapeito da janela, sentou-se e ficou observando o elevado já vazio. Passou um mendigo no tal viaduto, parou de frente e perguntou a uns cinco metros:

- Ta fazendo o que aí?!

O saxofonista olhou-o desanimado e, com muita simplicidade, pulou da janela.

Ângela, admiradora secreta do músico, freqüentadora do jazz na Rua Augusta, foi a única a se manifestar sobre o suicídio. O policial perguntou se ela sabia o motivo do acontecido. Ângela, secando as lágrimas do rosto, apenas olhou para o céu e, sem saber ao certo para quem, perguntou:

- E quando acontece isso? Não há alguma coisa errada? Se a vida fica tão ruim, a ponto de se perder o interesse em continuar, o que é que se pode fazer a respeito? Acho que ele estava no direito dele. Tirando o amor, e os desejos, o que há mais pra se fazer nessa vida? Se a pessoa desistiu do amor? E se a pessoa não tem mais desejos? E se a pessoa simplesmente ta cansada?

O policial abraçou Ângela, que chorou em seu ombro. Na semana seguinte, domingo às dez e meia, ela também pulou da sacada.


Um Copo com Água


The Lovers - René Magritte

Isso foi no sofá da sala. Eu estava desatento ao mundo exterior, pois, concentrado, lia um livro sobre cinema. Já ele estava lá, desprotegido, sem pano algum por sobre: O meu pescoço. Ela, que nunca me tocava, que só fazia carinho com as palavras, que era sempre indiferente a qualquer investida física, naquele momento resolveu se aproximar sem dizer nada, invadir com os lábios meu espaço pessoal, e, então, tocar-me a nuca com a boca em forma de beijo. Meus olhos fecharam contraídos, com pretensões de não mais abrirem, numa tentativa de sentir pra sempre o que, naquele instante, o corpo experimentava. A imagem que se formava tinha algo de místico, e era extremamente simbólica: Um grande copo translúcido, cheio de água, e no meio, imerso no líquido, uma única gota de óleo, que ali ficava, mas que não se misturava. Ninguém deveria nascer com o poder de nos fazer sentir menores, inaptos, ou não merecedores. Mas em se tratando das leis da natureza, infelizmente, não há democracia.

Após a momentânea paralisia, em fragmento de segundo o corpo relaxou, e, também em fragmento, energizou-se numa mistura de sexo e melancolia. A boca que é a minha deslizou para onde permanecia a dela; estabeleceu contato, trocou temperatura, e parou por todo esse instante. Os lábios não precisam mover-se para haver um beijo. Eles apenas mantinham-se encostados, delicadamente selados, e por sobre os mesmos, sentíamos a leve brisa da respiração um do outro, misturando-se, desempenhando ali o papel dos nossos olhos fechados, e de nossas mãos estáticas. Os corpos concordavam, e isso era certo: O beijo acontecia, não precisava de movimento, pois a contemplação é coisa que em certo grau já basta. Mas as mãos então moveram-se, os olhos apertaram-se mais, os corpos mergulharam no sentido um do outro, e as bocas, finalmente, executaram-se.

Isso foi na cama do quarto. Eu estava esbaforido, desatento ao mundo exterior. Acabara de voltar de um sonho tão real, que fui à janela e chorei por um tempo. A chuva movimentava o asfalto lá em baixo, e a única imagem realmente verdadeira em minha falta de otimismo era a do copo com água e óleo, que se aproximam, porém jamais se misturam.



 
Olhando Pra Grama